sábado, 28 de fevereiro de 2015

E SE NÃO TIVESSE SIDO ASSIM?

(David Beckworth)


A situação comparativa da resposta das economias americana e da zona Euro à crise de 2007-2008, largamente desfavorável à segunda, tem dado origem a uma vastíssima literatura. A mais relevante é a que procura mostrar que, apesar das debilidades do edifício do Euro, sempre vulnerável a situações de stresse, os resultados poderiam ter sido substancialmente diferentes acaso o BCE tivesse tido respaldo para uma intervenção menos hesitante e de maior magnitude de meios envolvidos. A matéria é fascinante, mas convém referir à partida que a ciência económica enfrenta dificuldades sérias em concretizar os chamados exercícios do contrafactual, ou seja medir o que teria acontecido acaso a intervenção de política económica fosse outra, fosse acionada mais cedo e os recursos utilizados tivessem sido mais expressivos. Regra geral, os pressupostos que é necessário construir para tornar tais exercícios minimamente fiáveis são extremamente exigentes e aconselham a relativizar resultados encontrados. Predominam por isso exercícios de contrafactual mais indiretos do que propriamente modelos de grande sofisticação que de debatem sempre com a sobresimplificação a que são conduzidos.
A questão que Beckworth se propõe responder é como estaria hoje a zona Euro acaso o BCE tivesse baixado e não aumentado a taxa de juro de referência em 2008 e 2011 e não tivesse esperado tanto tempo para lançar o seu programa de quantitative easing (QE), abalançando-se para o mesmo em 2009, ou seja quatro cinco anos antes.
O gráfico que abre este post é elucidativo da comparação. Embora a administração Obama tivesse também (com reservas de muitos economistas americanos) iniciado uma política de aperto fiscal em 2010 (por via da redução da despesa pública), a verdade é que a política monetária induziu ritmos de crescimento da despesa monetária muito mais expressivo do que o da zona euro. Beckworth refere e bem que um QE lançado mais cedo tenderia a suscitar uma mais provável subida de preços nas economias mais perto do pleno emprego, onde a Alemanha se perfilaria de forma clara. Caso isso tivesse acontecido, então os países sob resgate não seriam obrigados a uma desvalorização interna tão intensa, os seus preços teriam descido em termos relativos face a essas economias e globalmente a zona Euro estaria melhor.
Um outro contrafactual relevante é suscitado por Beckworth lançando a hipótese o que teria acontecido se a zona Euro como um todo e as suas autoridades mais representativas tivessem entendido que o problema europeu não era globalmente uma crise de dívida.

 (David Beckworth - O comportamento do peso da dívida pública no PIB após a crise é esclarecedor)
O exemplo assassino é o da Espanha que mostra à saciedade que é a crise a provocar um problema de dívida em Espanha e não um problema de dívida a suscitar a crise e resgate. Beckworth é dos que pensa que a zona euro tem um problema de crise monetária e não uma crise de dívida, embora em meu entender a crise europeia não é apenas o produto de uma crise monetária típica.
Os gráficos seguintes retomam cálculos de outros economistas que colocam em evidência uma forte correlação entre o comportamento da despesa pública entre 2010 e 2013 e o crescimento (ou o seu contrário) observado nesse mesmo período. Beckworth insiste em avançar com a ideia de que a variável omissa é a da política monetária excessivamente restritiva, resultado do BCE ter entendido tarde (apenas com o alerta da deflação) que deveria ter seguido o exemplo do FED americano e não ceder às fobias inflacionárias alemãs.

(David Beckworth -O peso da dívida pública no PIB agrava-se após a política monetária se tornar mais restritiva)

 (David Beckworth -A austeridade nunca poderia ter acionado o crescimento, apesar da purificação punitiva das almas dos considerados infratores)
Em meu entender, o erro de cálculo e de tempo de entrada (como no futebol, uma entrada a destempo e atrasada dá geralmente direito a falta) do BCE não é suficiente para explicar a tragédia do Euro. Mas não me custa aceitar que uma intervenção mais atempada e decidida do BCE teria minimizado problemas, embora sem os resolver integralmente.

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