(David Beckworth)
A situação comparativa da resposta das economias
americana e da zona Euro à crise de 2007-2008, largamente desfavorável à
segunda, tem dado origem a uma vastíssima literatura. A mais relevante é a que
procura mostrar que, apesar das debilidades do edifício do Euro, sempre vulnerável
a situações de stresse, os resultados poderiam ter sido substancialmente
diferentes acaso o BCE tivesse tido respaldo para uma intervenção menos
hesitante e de maior magnitude de meios envolvidos. A matéria é fascinante, mas
convém referir à partida que a ciência económica enfrenta dificuldades sérias
em concretizar os chamados exercícios do contrafactual, ou seja medir o que
teria acontecido acaso a intervenção de política económica fosse outra, fosse
acionada mais cedo e os recursos utilizados tivessem sido mais expressivos. Regra
geral, os pressupostos que é necessário construir para tornar tais exercícios
minimamente fiáveis são extremamente exigentes e aconselham a relativizar
resultados encontrados. Predominam por isso exercícios de contrafactual mais
indiretos do que propriamente modelos de grande sofisticação que de debatem
sempre com a sobresimplificação a que são conduzidos.
É este o caso de Derek Beckworth no Macro and Other Market Musings.
A questão que Beckworth se propõe responder é
como estaria hoje a zona Euro acaso o BCE tivesse baixado e não aumentado a
taxa de juro de referência em 2008 e 2011 e não tivesse esperado tanto tempo
para lançar o seu programa de quantitative easing (QE), abalançando-se para o
mesmo em 2009, ou seja quatro cinco anos antes.
O gráfico que abre este post é elucidativo da
comparação. Embora a administração Obama tivesse também (com reservas de muitos
economistas americanos) iniciado uma política de aperto fiscal em 2010 (por via
da redução da despesa pública), a verdade é que a política monetária induziu
ritmos de crescimento da despesa monetária muito mais expressivo do que o da
zona euro. Beckworth refere e bem que um QE lançado mais cedo tenderia a
suscitar uma mais provável subida de preços nas economias mais perto do pleno
emprego, onde a Alemanha se perfilaria de forma clara. Caso isso tivesse
acontecido, então os países sob resgate não seriam obrigados a uma desvalorização
interna tão intensa, os seus preços teriam descido em termos relativos face a
essas economias e globalmente a zona Euro estaria melhor.
Um outro contrafactual relevante é suscitado por
Beckworth lançando a hipótese o que teria acontecido se a zona Euro como um
todo e as suas autoridades mais representativas tivessem entendido que o
problema europeu não era globalmente uma crise de dívida.
(David Beckworth - O comportamento do peso da dívida pública no PIB após a crise é esclarecedor)
O exemplo assassino é o da Espanha que mostra à
saciedade que é a crise a provocar um problema de dívida em Espanha e não um
problema de dívida a suscitar a crise e resgate. Beckworth é dos que pensa que
a zona euro tem um problema de crise monetária e não uma crise de dívida,
embora em meu entender a crise europeia não é apenas o produto de uma crise
monetária típica.
Os gráficos seguintes retomam cálculos de outros
economistas que colocam em evidência uma forte correlação entre o comportamento
da despesa pública entre 2010 e 2013 e o crescimento (ou o seu contrário)
observado nesse mesmo período. Beckworth insiste em avançar com a ideia de que
a variável omissa é a da política monetária excessivamente restritiva,
resultado do BCE ter entendido tarde (apenas com o alerta da deflação) que
deveria ter seguido o exemplo do FED americano e não ceder às fobias inflacionárias
alemãs.
(David Beckworth -O peso da dívida pública no PIB agrava-se após a política monetária se tornar mais restritiva)
(David Beckworth -A austeridade nunca poderia ter acionado o crescimento, apesar da purificação punitiva das almas dos considerados infratores)
Em meu entender, o erro de cálculo e de tempo de
entrada (como no futebol, uma entrada a destempo e atrasada dá geralmente
direito a falta) do BCE não é suficiente para explicar a tragédia do Euro. Mas
não me custa aceitar que uma intervenção mais atempada e decidida do BCE teria
minimizado problemas, embora sem os resolver integralmente.
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