quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

UM JOGO DE ESTRATÉGIA?



Creio que foi Pedro Santos Guerreiro que, há dias, no Expresso on line diário, clamava que afinal a estrela era outra, ou seja que mais do que Tsipras era Varoufakis que agitava as ondas. A presença mediática de Varoufakis é forte, o que não significa necessariamente que seja portador das soluções de afrontamento possível sem quebrar os laços da negociação. Mas, hoje, na conferência de imprensa com o sisudo Schäuble, não pude deixar de me recordar daquela posição reverente em que a TVI apanhou Vítor Gaspar perante o mesmo Schäuble. Atitude e dignidade não é para todos. 

Mas a questão grega resvala cada vez mais para um jogo de estratégia, em que cada um dos atores lança a sua jogada para condicionar o comportamento dos restantes e dei comigo a pensar que é uma tragédia Roberto Bolaño já não estar entre nós, pois escreveria certamente uma peça fabulosa sobre este jogo de estratégia. A decisão do Conselho do BCE de suspender a possibilidade dos títulos de dívida soberana grega poderem ser utilizados como garantia de empréstimos do BCE aos bancos centrais remete em primeira linha os problemas dos bancos gregos para um outro sistema de emergência através do qual o banco central grego é ou não autorizado a prestar assistência de tesouraria aos bancos a taxas mais altas e com limites estreitos impostos pela supervisão do BCE. Uma interpretação literal deste lance é meramente regulamentar. São regras meus caros, e seria um precedente comprometer a sua aplicação. Mas pode haver uma outra interpretação para este mesmo lance. Draghi pode querer pressionar não apenas as autoridades gregas mas também o Conselho Europeu, a Comissão Europeia e o Eurogrupo para serem mais lestos na procura de uma solução que possa salvar a face dos compromissos do SYRIZA e não acirrar os eleitorados europeus menos propensos à solidariedade europeia.
É nestes momentos que é clara a perceção de que o edifício do euro e dos mecanismos que o suportam não está preparado para situações de stress, sendo por isso extremamente vulnerável à sagacidade, frieza e inteligência dos que se movimentam pelo seu interior.
Entretanto, no universo dos que assistem a este jogo de estratégia apenas com a pena do comentário e da opinião, pasmo de tanta surpresa que tenho encontrado.
No “The Market Monetarist – markets matter, money matters” um blogue claramente monetarista assinado por Lars Christensen, podemos ler uma vigorosa defesa da proposta de Varoufakis de troca de dívida soberana grega por títulos indexados ao crescimento. E apresenta evidência para o suportar. Baseado em trabalhos de David Eagle, traz para a discussão a clara correlação negativa entre o crescimento do produto das economias mais endividadas e a evolução do peso da dívida no PIB, mostrando que no caso grego é a derrocada do produto, determinada por um ajustamento de experimentação punitiva ao jeito da que se faz com ratinhos, que essencialmente explica a escala do peso da dívida no PIB que o SYRIZA pretende agora gerir. Christensen vai ao ponto de provocatoriamente recomendar a Jens Weidman, presidente do Bundestag, que deveria apoiar a proposta de Varoufakis e disseminá-la pelos países mais endividados.
Ou muito me engano ou já nada nos surpreenderá nos próximos tempos.
Noutro plano, Kenneth Rogoff, a quem os austeritários foram buscar talvez injustamente o racional para que níveis elevados de dívida tinham que ser desalavancados, custe o que custar e doa a quem doer, vem no Project Syndicate (What is Plan B for Greece?) colocar-se ao lado dos que recomendam flexibilidade, anulação parcial e redução de fluxos de pagamento a curto prazo e recomendando mesmo a possível adoção de restrições à livre circulação de capitais para evitar o pior. Meus caros, ou isto são efeitos retardados do bug da folha de EXCEL de Reinhart e Rogoff que tanta controvérsia académica criou na blogosfera económica, ou Rogoff está a ver melhor a situação dos que nele se apoiaram para dar alguma pretensa cientificidade à deriva austeritária. Aliás, há tempos em Lisboa, Rogoff já tinha alertado para a eventual necessidade de anulações parciais de dívida, apesar do risco moral.
Que eu saiba, Schäuble ainda não invocou nenhum racional de fundamentação económica para a intransigência alemã. Creio que mesmo que o quisesse teria dificuldade em encontrar patrono.

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