(Bernardo
Erlich, http://elpais.com)
Volto a esboçar uma tentativa de ponto de ordem – hoje sem grande economês nem instrumental gráfico para ir mais direto ao assunto – sobre o que se está a passar em nosso mais próximo redor. Refiro-me concretamente à Europa em que ainda nos integramos mas que já muito pouco tem a ver com aquele projeto politicamente aberto e socialmente promissor que justificou que Soares, visionariamente, tudo fizesse para nos levar para dentro dele. Porque – e só o temos vindo a perceber completamente ao longo destes anos de crise aguda – essa Europa morreu com a queda do muro de Berlim, a reunificação alemã, o novo medo que ela suscitou nos franceses e a peregrina ideia destes de que iriam conseguir convencer os alemães a prescindir do marco e a aceitar a criação de uma moeda única na simples base de uma espécie de lógica bilateral de raiz franco-alemã.
Portugal, a Grécia, a Espanha e outros países economicamente mais débeis fizeram tudo o que podiam – e, às vezes também, o que não deviam – para serem parte do primeiro pelotão de fundadores dessa moeda única a que se veio a chamar Euro. E quando parecia adquirido – sobretudo naqueles dez anos de “vacas gordas” em que as crises de balanças de pagamentos tinham sido definitivamente banidas e pertencer à Zona Euro era sinónimo de credibilidade germânica nos mercados e de uma confortável sensação de enriquecimento súbito – que a opção, e as inevitáveis doses de reais esforços complementados por alguns martelanços, tinha sido perfeitamente justificada... zás! De facto, o que tem de ser tem muita força e ninguém tinha cuidado – nem cá, nem lá, nem alhures – de abordar com mínimos de minúcia as condições de funcionamento de uma Zona daquelas, sobretudo em face de situações internacionalmente menos desafogadas e geradoras de níveis de pressão em crescente alta como ocorreu na sequência da falência do Lehman Brothers e acontecimentos supervenientes. Foi então que a Europa, embora já antes minada por fortes contradições internas (lembrem-se os referendos em França, na Holanda e na Irlanda, p.e.) mas ainda embalada pela inércia dos burocratas e pelas migalhas servidas aos menos ricos, lá se viu obrigada a sucessivamente expor as implacáveis fragilidades de uma construção apressada e a enorme incompetência dos seus líderes para com elas lidar – foram estes tempos os da chamada crise das dívidas soberanas na Zona Euro e do receituário austeritarista a que os países do sul, economicamente mais débeis e considerados geneticamente mais preguiçosos, foram conduzidos sem apelo para satisfação dos credores e expiação dos pecados. Mas adiante.
(João
Fazenda, http://visao.sapo.pt)
Dando então um salto para o presente, quero insistir na importância de não nos iludirmos para não nos voltarmos a desiludir. Sim, porque nenhuma das ilusões que nos vendem é essencialmente verdadeira. Porque houve endividamentos excessivos, aliás não só públicos mas também e principalmente privados, mas a crise que estamos a viver não é sobretudo uma crise associada a essas dívidas e, em especial, a uns malandros que gastaram e continuam a gastar demais (políticos corruptos ou cidadãos vivendo acima das suas possibilidades). Porque a crise europeia é, isso sim, uma crise do Euro, de uma arquitetura institucional que visivelmente falhou e já só não é vista como definitivamente inviável por aqueles que dela têm vindo a beneficiar incessantemente (os alemães e os países da sua órbita). Atrevo-me assim a apostar dobrado contra singelo que, por mais que os mercados possam conjunturalmente ajudar (como agora está a ocorrer) e por mais que o contorcionismo político consiga ir empurrando os problemas com a barriga, esta configuração do Euro não sobreviverá a curto/médio prazo, i.e., é absolutamente impossível postular a continuidade de uma união monetária comportando a convivência no seu seio de economias com estruturas tão desiguais como aquelas dezanove que a compõem. Sendo que o elo mais fraco, e provavelmente o mais sujeito a pagar o preço mais elevado, são economias como a portuguesa e a grega que só teriam uma forma possível de sobreviver dentro do Euro: proceder a uma contínua e agressiva desvalorização interna – seja no tocante a quedas muito significativas de salários e rendimentos seja no tocante a reduções igualmente muito significativas dos compromissos públicos duradouros (leia-se do Estado Social) – que as tornasse capazes de suportar uma condenada coexistência enquanto parente pobre de um processo de integração organizado em torno da moeda mais forte do mundo. É disto – e não de quaisquer “despesismos socialistas” ou “sucessos do programa de ajustamento” – que estamos a falar num caso que é estruturalmente mais greco-português do que do tipo daquelas imbecilizantes proclamações de que não somos a Grécia.
(António Jorge Gonçalves, Toon, http://inimigo.publico.pt)
Um outro corolário de tudo isto, e bem triste é ele aliás, tem a ver com as equívocas e conexas questões do europeísmo e do federalismo. Porque o impasse que conhece hoje a Europa não se vislumbra realisticamente ultrapassável com os atuais tratados, as atuais regras, os atuais egoísmos nacionais, os atuais dirigentes políticos e as atuais preferências induzidas nos cidadãos. Sejamos claros: não vamos ter, num horizonte temporal minimamente próximo, uma solução ajustada àquele impasse, quer porque o nível de transferências orçamentais que seriam necessárias para haver coesão na Europa é insustentável a Norte quer porque o prolongamento deste kafkiano status quo se tornará cada vez mais indigno e inaceitável a Sul (como já estamos a observar à saciedade na Grécia). E a pergunta, ainda quase (ab)surdamente formulada, vem logo a seguir: ainda há razões para se falar em europeísmo e para se ser europeísta?
(Walenta, http://www.courrierinternational.com)
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