O artigo que a sóbria e esclarecida jornalista
Teresa de Sousa (TS) escreveu este fim de semana no Público sobre a crise ou a
questão grega é uma peça fundamental não só pela visão profunda que fornece
sobre o estado de desmantelamento das instituições europeias, mas sobretudo
pela sua interpretação do que tem estado por detrás de tudo isto.
As reflexões de hoje usam o artigo de TS como
mote.
A interpretação da jornalista sobre o modo como o
SYRIZA partiu para a negociação alinha praticamente com outros observadores
internacionais em torno da ideia de que terá mal avaliado a recetividade dos
membros do Eurogrupo às suas posições, sejam os que receberam bem Tsipras no
seu périplo inicial, seja os países que experimentaram, muito desigualmente
sabemo-lo hoje, as agruras da austeridade e da forçada desvalorização interna a
que foram submetidos. É seguramente um erro de avaliação, sobretudo porque o calculismo
está há muito instalado na diplomacia de circunstância. Mas também porque, a
ajuizar pelo que se passa em Portugal, a corja que aplicou o memorando desde
sempre alinhou por um taticismo sabujo e morre de medo com a ocorrência de
qualquer realinhamento de posições no contexto europeu que mostre que afinal o
discurso da inevitabilidade não era tão definitivo como o pintaram. Não sabemos
que eventuais contrapartidas, seguramente diferentes das dos submarinos,
esperam Passos e Maria Luís obter pelo seu comportamento obediente. Os espanhóis
bebem pela mesma cartilha e estão cagadinhos com a ameaça PODEMOS, mesmo que
esta possa perder força até ao próximo ato eleitoral. Os irlandeses jogam
noutro campeonato.
Bom o SYRIZA pode pagar caro esse erro de avaliação
e ter até eventualmente uma saída de sendeiro. Mas mesmo nessa saída mais
penalizadora algo mudou e a razão é uma simples decisão democrática. E isso é
fundamental. Mostra a posteriori que
a desconstrução europeia começou com a marginalização da validação democrática
nas jogadas dos aparelhos comunitários.
O artigo de TS é bem mais relevante quando
analisa a questão grega do lado de cá, ou seja na perspetiva das instituições
europeias. E aqui lança para esta discussão uma interpretação que não foi muito
badalada mas que me parece muito sensata. A ideia é que a Comissão Europeia
(CE) terá sido marginalizada em toda a linha pelo Eurogrupo sobretudo na
ultrapassagem prematura e aparentemente do plano de negociação que a CE
preparara para lançar na mesa. Não é difícil imaginar que o Eurogrupo é bem
mais pró-alemão do que a Comissão Europeia, sobretudo na sua composição atual. Não
é também impossível associar a esta situação a surpreendente afirmação de
Juncker, que em meu entender ia direitinha para o Eurogrupo.
TS é brilhante no desenho do jogo de sombras em
que a construção europeia se transformou. Mas onde a jornalista marca pontos e
nos transposta para a discussão que interessa nos próximos tempos travar é a
sua denúncia da incapacidade da social-democracia europeia (se quiserem o
centro-esquerda europeu) compreender o contexto da globalização e forjar neste
contexto as novas escolhas públicas que a diferenciem do centro-direita. Sim,
um problema de escolhas públicas e não de convergência de posições alimentadas
por uma geração de cinzentões com laços profundos de cumplicidade com a captura
dos interesses do Estado, que salta ladina dos governos para o privado e do
privado para os governos. Este é o debate. Tudo o que nos afaste desse ponto
central é ruído. O SYRIZA talvez se perca no jogo de sombras. Mas se a sua vitória
não acordar a social-democracia europeia para as verdadeiras questões então
nada ficará.
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