(Fotografia de Ana Brígida)
Os biólogos sempre tiveram uma aptidão especial
para fora do seu campo científico se pronunciarem sobre a mudança nas
sociedades em que estão inseridos. Tenho de confessar que tenho uma particular
apetência para mergulhar nessas incursões sobre o fenómeno social, embora isso
irrite profundamente os sociólogos mais rigorosos, que não se revêm nessas
abordagens e na invasão do seu campo científico.
Mas há no pensamento da biologia quando
transposto ainda que acidentalmente para o campo da mudança social uma serena
perceção das coisas na qual me revejo e peço desculpa aos meus amigos sociólogos.
É o caso da entrevista de Alexandre Quintanilha ao Jornal i (Kátia Catulo), na qual o biólogo mais do que o físico nos brinda
com uma serenidade entusiasmante, por mais paradoxal que esta associação possa
parecer.
Embora a entrevista incida preferencialmente no
tema da ciência em Portugal e na desvalorização a que tem sido submetida por
uma política de cortes orçamentais sem estratégia consistente a suportá-la, nas
entrelinhas e nos comentários laterais encontramos preciosas referências à
mudança social em Portugal pós revolução democrática.
É assim, por exemplo, que Quintanilha observa que
foram as mulheres que ganharam mais com a liberdade política do que os homens,
pois não se limitaram a essa liberdade política, ela potenciou outras
liberdades que o contexto social do antigo regime lhes cerceava. E o importante
é que, no quadro de uma sociedade estruturalmente conservadora mas
profundamente tolerante em relação à profunda mudança dos costumes e valores
que emergiu com a democracia, Quintanilha associa essa progressão da mulher a
um pujante processo de combinação de educação e empowerment, indissociáveis uma
da outra.
O seu olhar de biólogo vê com algum desdém os que se chocam
com a saída de jovens cientistas para o estrangeiro. O problema não está na saída,
está na inexistência de condições para proporcionar a circulação e intercâmbio
de conhecimento de que o país beneficiou em tempos, numa clara alusão à riqueza
da diversidade. E acolhe serenamente o argumento do tempo profundo e do tempo longo
para explicar que o retorno (económico e social) da ciência em Portugal não
pode s rer o mesmo do observado em países como a Alemanha e os EUA que não
viveram no tempo recente a penalizadora path dependency do passado pesado da
sociedade portuguesa.
Regressando sempre ao tema da tolerância social,
acaricia o envelhecimento (serenidade e não azedume) e regista o lento
desaparecimento da esperança dos jovens, dos velhos e das famílias como
primeiro passo para a resignação, ou seja para a aversão à mudança, como sendo
o principal traço do Portugal pós resgate financeiro.
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