sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

SYRIZICES



O gozo com que algumas correntes de opinião se deleitam com o recuo do SYRIZA nas negociações com a União Europeia chega a ser pornográfico. O espectro de poder haver uma alternativa era de facto uma ameaça fatal aos que internalizaram nas suas cabecinhas que “não há alternativa” e que reagem ao pensamento dominante como qualquer animalzinho em experiências de laboratórios mais ou menos pavlovianas.
Mas não é essa a perspetiva que me interessa. O que fundamentalmente me atrai é que o SYRIZA, com o seu recuo e com a vertente marcadamente redistributiva que o seu programa veicula, acaba por preencher de forma não antecipável há uns tempos atrás o espaço vazio do centro-esquerda no pós- crise. Não há evidência alternativa à generalizada observação de que o pós 2007-2008 e sobretudo as políticas de austeridade cavaram fundo na desigualdade da distribuição do rendimento, exigindo entre outras coisas, e como o trabalho de Piketty nos veio mostrar com uma notoriedade inesperada, uma política fiscal agressivamente redistributiva. A trágica demolição do PASOK, claramente embrenhado no mais sórdido recôndito da política grega, e a cumplicidade da Nova Democracia com a continuidade e aprofundamento dessa desigualdade tornaram impossível essa fiscalidade. O vazio do centro-esquerda foi criado e a dinâmica das aspirações e da indignação da população grega fizeram o rosto. O SYRIZA arrisca-se a transformar-se na força política que naturalmente ocupará esse vazio.
O que é que de interessante pode ter esta SYRIZICE para Portugal? Coisas bem relevantes que um PS cinzentão e centrão se nega a compreender, fugindo dessa evidência, assustado com qualquer entrave eleitoral ao salivar do poder. Mas alguém de bom juízo acredita que o PS vai criar empatia com os eleitores através de uma agenda programática que até pode ser elaborada pelas mais responsáveis personalidades? Pacheco Pereira incendiou ontem o debate do Quadratura com essa denúncia e como o compreendo. O calculismo do PS é essencialmente fruto do medo e vertigem em ocupar o espaço redistributivo do centro-esquerda, já parcialmente refém dos tiques de não hostilização do eleitorado. Não é com essa abordagem que António Costa se identificará com a vastíssima população portuguesa que aspira a uma partilha mais justa das dificuldades do país. Qual agenda programática! Alguém a vai ler em contexto eleitoral? Simplesmente um conjunto reduzido de propostas para mostrar que é possível fazer diferente e sobretudo a identificação com os problemas dos que mais sofreram com o ajustamento.

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