O gozo com que algumas correntes de opinião se
deleitam com o recuo do SYRIZA nas negociações com a União Europeia chega a ser
pornográfico. O espectro de poder haver uma alternativa era de facto uma ameaça
fatal aos que internalizaram nas suas cabecinhas que “não há alternativa” e que
reagem ao pensamento dominante como qualquer animalzinho em experiências de
laboratórios mais ou menos pavlovianas.
Mas não é essa a perspetiva que me interessa. O
que fundamentalmente me atrai é que o SYRIZA, com o seu recuo e com a vertente
marcadamente redistributiva que o seu programa veicula, acaba por preencher de
forma não antecipável há uns tempos atrás o espaço vazio do centro-esquerda no
pós- crise. Não há evidência alternativa à generalizada observação de que o pós
2007-2008 e sobretudo as políticas de austeridade cavaram fundo na desigualdade
da distribuição do rendimento, exigindo entre outras coisas, e como o trabalho
de Piketty nos veio mostrar com uma notoriedade inesperada, uma política fiscal
agressivamente redistributiva. A trágica demolição do PASOK, claramente
embrenhado no mais sórdido recôndito da política grega, e a cumplicidade da
Nova Democracia com a continuidade e aprofundamento dessa desigualdade tornaram
impossível essa fiscalidade. O vazio do centro-esquerda foi criado e a dinâmica
das aspirações e da indignação da população grega fizeram o rosto. O SYRIZA
arrisca-se a transformar-se na força política que naturalmente ocupará esse
vazio.
O que é que de interessante pode ter esta
SYRIZICE para Portugal? Coisas bem relevantes que um PS cinzentão e centrão se
nega a compreender, fugindo dessa evidência, assustado com qualquer entrave eleitoral
ao salivar do poder. Mas alguém de bom juízo acredita que o PS vai criar
empatia com os eleitores através de uma agenda programática que até pode ser
elaborada pelas mais responsáveis personalidades? Pacheco Pereira incendiou
ontem o debate do Quadratura com essa denúncia e como o compreendo. O
calculismo do PS é essencialmente fruto do medo e vertigem em ocupar o espaço
redistributivo do centro-esquerda, já parcialmente refém dos tiques de não
hostilização do eleitorado. Não é com essa abordagem que António Costa se
identificará com a vastíssima população portuguesa que aspira a uma partilha
mais justa das dificuldades do país. Qual agenda programática! Alguém a vai ler
em contexto eleitoral? Simplesmente um conjunto reduzido de propostas para
mostrar que é possível fazer diferente e sobretudo a identificação com os
problemas dos que mais sofreram com o ajustamento.
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