Como já fiz repetidas vezes perceber, há um
conjunto de economistas que sigo regularmente, anotando o seu contributo para
compreender a situação atual, um dos períodos mais desafiantes em matéria de
saber porque é que a “ciência” económica é tão pouco consistente na
racionalização da política económica. Chamem-lhe pragmatismo, confiança ou
outra coisa qualquer. Christina D. Romer (e por vezes também o seu marido David
Romer) é um desses casos de aposta segura, sobretudo no que respeita ao estudo
da política monetária, seja da história recente, seja da história económica
mais remota. É um ativo seguro, de risco muito baixo, diz com a minha maneira
de estar e, essencialmente, é uma economista honesta e rigorosa. Não está refém
de qualquer posição ideológica, é segura e transparente na evidência com que
trabalha e, sobretudo, não se dá ares de gente importante, apesar de ter feito
as malas de Berkeley para Washington, há uns tempos atrás, para chefiar o grupo
de economistas de Obama e travar, perdendo parcialmente, com outros falcões que
integraram esse grupo (particularmente Lawrence Summers) uma das mais duras
batalhas da política económica recente, que consistiu em definir a magnitude do
estímulo fiscal da economia americana pós Lehman Brothers a propor ao Congresso.
Regressou a Berkeley cerca de dois anos depois e nem por isso a sua postura de
rigor, modéstia e honestidade intelectual se alterou.
Esta semana, 25 de outubro, Christina falou e,
como sempre, há matéria que o debate económico atual não pode ignorar. Este é o
indicador marcante do impacto de quem fala. Na Sumerlin Lecture da John Hopkins University, Christina Romer sistematiza com a clareza e lucidez habituais as
lições que se podem retirar da prática da política monetária no pós crise,
retirando daí as consequências pertinentes em matéria de estratégia de
intervenção fundamentada por tais ensinamentos. Perdoem o vício anglo-saxónico,
mas esta é a orientação que me agrada: “theoretically informed, evidence-based,
policy oriented and learning by evaluating”.
Lição nº 1 – A penosidade gravosa das crises financeiras é para ter em conta e não
para ser reconhecida apenas como facto empírico. A estabilidade do sistema
financeiro não pode estar permanentemente ameaçada pela permissividade ou faz
de conta e, para além de práticas de regulação à prova de bala, é necessário
assegurar exigências inequívocas de capitalização por parte dos acionistas mais
representativos, cujas vantagens são hoje reconhecidas como incomparavelmente
superiores aos inconvenientes que podem gerar. A criatividade com o dinheiro
dos outros é perigosa. Mais vale prevenir a tentação do que tentar remediá-la.
Lição nº 2 – Fazer política monetária em contexto de taxas de juro de referência
praticamente nulas (o já célebre “zero
lower bound”) exige estratégias de maior rotura do que a generalidade dos
macroeconomistas tende a admitir. Seja por via da consideração de metas de
inflação de referência mais elevadas (sobretudo em contextos de produto real
bastante abaixo do produto potencial), seja por via de estímulos fiscais ágeis
e de magnitude elevada, o “zero lower
bound” não pode ser afrontado com políticas temerosas e inibidas pelo risco
inflacionário ou pelo equilíbrio orçamental a todo o preço. É em tempo de vacas
gordas que o peso da dívida deve ser reduzido (Guterres e Sócrates lembrem-se
disto).
Lição nº 3 – A gestão das expectativas é crucial e praticá-lo exige competência e
sobretudo não pode ser realizada com elefantes ou desastrados em lojas de
porcelana ou gente de protagonismo fácil (com quem é que o PS conta em matéria
de ministro das Finanças para interagir com o comedido Carlos Costa no Banco de
Portugal? Seja por via da gestão sóbria das expectativas quanto às taxas de
juro nominais a curto prazo, seja por via da gestão de expectativas de
crescimento, fazê-lo implica como o casal Romer tem defendido uma clara mudança
de “regime”, ou seja ser consistente na demonstração de que as coisas vão
mudar. A governação da atual maioria é um caso de estudo do ponto de vista da
sua inconsistência de gestão de expectativas. O desconchavo é inimigo da
consistência. Não há mudança de “regime de expectativas” com tanto cacarejar
dissonante ou desproporcionado (alguém acreditou no milagre económico de Pires
de Lima?).
Lição nº 4 – A
penosidade de correções de défices públicos considerados incontroláveis ou não
financiáveis pelo mercado pode e deve ser suavizada por política monetária mais
acomodatícia. Eis uma boa lição para o BCE e para o próprio FED americano não
interromper precocemente a sua política monetária compensadora da penosidade de
défices públicos em consolidação abrupta.
A história interessa e sobretudo os
macroeconomistas não podem construir as suas próprias ilusões. Atentem na
experiência vivida por Christina Romer: “Relembro vivamente a experiência de um encontro com
banqueiros centrais no Simpósio Jackson Hole em setembro de 2009. Toda a
conversa andava em torno do seguinte: ‘Parámos a crise. Agora o que temos que
fazer é regressar a uma política monetária e fiscal prudente e preocupar-nos
com a inflação’. Mas o desemprego ainda estava a crescer tendo atingido 10,9%
em outubro de 2009. Todas as partes do meu corpo queriam gritar com aqueles
fazedores de política monetária presentes no simpósio: ‘Oh não, ainda não
parámos a crise’. Infelizmente, tais agentes abrandaram em 2010 e 2011 a
intervenção agressiva. E isso adiou com grande probabilidade o retorno da
economia ao normal.”
Porque é que os economistas não se fizeram ouvir?
Porque não gritaram, não foram convincentes ou prepararam eles próprios (a
história do Pedrinho e do lobo) o não impacto das suas palavras, proclamando
que os mercados são sempre eficientes e as crises estavam dominadas?
Ah! mas dir-me-ão que a economia americana não é
tudo, que na Europa é diferente, blá – blá. Pura ilusão. Nos “basics” todo o ensinamento interessa. E
será que a crise ficou confinada aos Estados Unidos da América?
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