(Mandala, José Rodrigues dos Prantos, http://www.rtp.pt)
Depois de uma passagem pelo
ensaio – bem mais consentânea com a sua carreira de jornalista – José Rodrigues
dos Santos (JRS) descobriu a sua queda para o romance e começou a ficcionar à
razão média de um livro por ano desde 2002/03. Quase sempre com títulos
sugestivos, como se pode ver: “A Ilha das Trevas”, “A Filha do Capitão”, “O Codex 632”, “A Fórmula de Deus”, “O Sétimo Selo”, “A Vida Num Sopro”, “Fúria Divina”, “O Anjo Branco”, “O Último Segredo”, “A Mão do Diabo”, “O Homem de Constantinopla” e “Um Milionário em Lisboa” (agora no
prelo). Beneficia de um marketing crescentemente dirigido e vende que se farta –
é mesmo o ficcionista que mais vende em Portugal, com várias obras a
ultrapassarem o número mágico dos cem mil exemplares e uma totalidade que já
atingiu o milhão.
Há dias, num artigo que escreveu
para o “Expresso” e que intitulou “O Gnomo no Jardim”, Clara Ferreira Alves
fazia uma pergunta do tipo da que tantas vezes me tenho feito a este e outros
propósitos (com Dan Brown e Ken Follett como expoentes mais notáveis): “o que
José Rodrigues dos Santos escreve é literatura ou entretenimento?”
Inclinando-se naturalmente para a segunda hipótese e explicando que dá à
literatura “o significado de livro que contém a chamada ‘mediação literária’,
um conceito indefinível que separa um autor que escreve sobre Istambul chamado
Orhan Pamuk de um autor que escreve sobre Istambul chamado José Rodrigues dos
Santos”.
Claro que Clara reconhece
qualidades várias em JRS, para além do esforço pessoal e da capacidade de
trabalho que indubitavelmente patenteia. Chama-lhes o que ele sabe fazer e
começa por apontar a aplicação do princípio “personagem é ação” e a escolha de
temas, mas acrescenta depois que ele também “sabe contar a história, sabe
escrever diálogos vivos que fazem avançar a ação e que a situam historicamente,
sabe onde começar e encerrar um capítulo, sabe onde espalhar a luz e deixar na
sombra, de modo a que a narrativa não perca velocidade nem mantenha o leitor
desinteressado.”
Mas Clara valoriza seguidamente o
outro lado da questão, i.e., “o que ele não sabe fazer”. E refere-se a aspetos
como “dar espessura às personagens, descrever as suas caraterísticas físicas e
psicológicas, descrever a paisagem e criar vozes que não sejam a reprodução da
voz coloquial simples do autor”. Colmatando assim: “JRS não policia a prosa e
não policia o adjetivo. Não policia a redundância. Escreve sem criação de uma
linguagem.”
Revejo-me largamente no
criticismo expresso por Clara, ao qual recorri porque não saberia descrever
melhor as frequentes incomodidades por que me sinto assaltado perante os erros,
efeitos ou excessos de alguma “literatura” que manuseio, às vezes até com
possível utilidade marginal. Por isso subscrevo também a forma como conclui a
sua apreciação do mais recente romance, em dois volumes, consagrado à
desafiante figura de Calouste Gulbenkian: “É como se JRS tivesse uma mansão
construída com boa carpintaria e bons materiais e, ao acabá-la e decorá-la, não
hesitasse em colocar dois leões de pedra na portaria e um gnomo no jardim”.
Pois é. Mas o que é preciso,
acima de tudo, é animar a malta e vender-lhe mercadoria apropriada, para o que
importa explorar tão eficazmente quanto possível o culto do mediático – no
caso, da vã glória de apresentar telejornais – e a incultura essencial da
maioria dos nossos mortais, processos que derivam inevitavelmente em reprodução
autoalimentadora. E quando assim é, assim é…
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