quinta-feira, 10 de outubro de 2013

DE VOLTA




Trabalho profissional que baste, avaria na viatura, os dois netos Margarida e Francisco finalmente juntos em casa por poucos dias e reboliço social associado e contrário à concentração necessária explicam a ausência deste blogue, ao qual regresso sempre com prazer.
Dei comigo, nas condições de cidadão normal sem viatura própria a viajar de metro com regularidade, a desviar a atenção para a atenção de toda esta mole humana que transforma progressivamente o metropolitano ligeiro do Porto num transporte de alta capacidade, efetivamente estruturante da mobilidade entre pontos fulcrais da área metropolitana. Talvez mais lento do que o desejável a uma mobilidade de rápida ligação casa-trabalho, sobretudo para quem não desdenha o almoço em casa, mas mesmo assim estruturante da mobilidade.

Os meus olhos de analista social percorreram com atenção os que comigo partilharam viagens nestes últimos três dias e verifiquei sobretudo a presença de uma classe média e de alguns setores empobrecidos da população, com reduzida evidência de quadros entre os frequentadores do metro. E sobretudo muitos jovens, universitários e de escolas secundárias, com alguns grupos e sinais reveladores de situações bem problemáticas, colocando aos professores de hoje desafios enormes que bem justificariam melhores condições de retribuição do seu trabalho. Numa interpretação talvez demasiado subjetiva, dei com população mais resignada do que esperaria, tendo ficado com a perceção que a grande parte das pessoas já internalizou expectativas em baixa quanto às suas perspetivas de rendimento, reagindo dessa maneira ao espectro da depressão.
E como estou a braços com a difícil tarefa de concluir com a colega Pilar González o artigo para a OIT sobre as consequências da crise e das políticas de austeridade sobre as manifestações do modelo social europeu em Portugal, dei comigo a confrontar a realidade empírica das viagens de metro e do seu entorno imediato com as evidências estatísticas que temos recolhido. Não é fácil encontrar conformidade entre esses dois campos de observação. Um dos dados mais surpreendentes destas últimas é o comportamento observado entre 2001 e 2011 (com dados intermédios em 2008) da percentagem de rendimento familiar (envolvendo por isso todas as fontes oficiais de rendimento) da população segmentada em decis (10 grupos com 10% da população cada).
(Fonte: EUROSTAT,  SILC) [ilc_di01]
Sabemos que a desigualdade na distribuição do rendimento é elevada em Portugal para os padrões europeus, tal como o ilustra a comparação de quota no rendimento dos percentis 1 a 5 e dos percentis 96 a 100 (ver gráfico seguinte).
Mas o comportamento observado de 2008 para 2011 revela que é sobretudo nos decis mais ricos (o nono e o décimo) que se verifica impacto da crise em termos de queda de peso no rendimento. Dirão alguns que estes números serão música para os ouvidos da atual governação. Mesmo tendo em conta que os números não captam a economia paralela e o efeito que ela produz sobre o rendimento equivalente das famílias, há alguma conformidade entre estes resultados e os que decorrem de estudo recente (The Distributional Effects of Fiscal Consolidation in Nine Countries- EUROMOD Working Paper No. EM 2/13) sobre os efeitos na distribuição do rendimento provocados pelo processo de consolidação fiscal abrupta que está em curso (ver gráfico seguinte). Neste estudo, é o primeiro decil que apresenta uma queda percentual de rendimento mais acentuada, observando-se que só a partir do 7º decil até ao 10º encontramos quedas percentuais iguais ou superiores ao decil dos mais pobres.
 
Duas ideias para concluir. Primeiro, o discurso governamental de que terá conseguido minimizar impactos sobre os mais pobres não colhe, pois o 1º decil tem quedas acentuadas. Segundo, a tese muito propagada de que terá sido a classe média a mais negativamente impactada parece também não colher. Os decis intermédios têm quedas menos acentuadas. Talvez a aproximação estatística ao conceito de classe média não seja convincente. E convém não esquecer que o rendimento médio dos decis mais altos tem de ser compreendido face ao baixo rendimento médio português.
De qualquer modo, a observação de terreno e as evidências estatísticas nem sempre são facilmente compatibilizadas.

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