Trabalho profissional que
baste, avaria na viatura, os dois netos Margarida e Francisco finalmente juntos
em casa por poucos dias e reboliço social associado e contrário à concentração
necessária explicam a ausência deste blogue, ao qual regresso sempre com
prazer.
Dei comigo, nas condições de
cidadão normal sem viatura própria a viajar de metro com regularidade, a
desviar a atenção para a atenção de toda esta mole humana que transforma
progressivamente o metropolitano ligeiro do Porto num transporte de alta
capacidade, efetivamente estruturante da mobilidade entre pontos fulcrais da área
metropolitana. Talvez mais lento do que o desejável a uma mobilidade de rápida
ligação casa-trabalho, sobretudo para quem não desdenha o almoço em casa, mas
mesmo assim estruturante da mobilidade.
Os meus olhos de analista social percorreram com atenção os que comigo partilharam viagens nestes últimos três dias e verifiquei sobretudo a presença de uma classe média e de alguns setores empobrecidos da população, com reduzida evidência de quadros entre os frequentadores do metro. E sobretudo muitos jovens, universitários e de escolas secundárias, com alguns grupos e sinais reveladores de situações bem problemáticas, colocando aos professores de hoje desafios enormes que bem justificariam melhores condições de retribuição do seu trabalho. Numa interpretação talvez demasiado subjetiva, dei com população mais resignada do que esperaria, tendo ficado com a perceção que a grande parte das pessoas já internalizou expectativas em baixa quanto às suas perspetivas de rendimento, reagindo dessa maneira ao espectro da depressão.
E como estou a braços com a
difícil tarefa de concluir com a colega Pilar González o artigo para a OIT
sobre as consequências da crise e das políticas de austeridade sobre as
manifestações do modelo social europeu em Portugal, dei comigo a confrontar a realidade
empírica das viagens de metro e do seu entorno imediato com as evidências estatísticas
que temos recolhido. Não é fácil encontrar conformidade entre esses dois campos
de observação. Um dos dados mais surpreendentes destas últimas é o comportamento
observado entre 2001 e 2011 (com dados intermédios em 2008) da percentagem de
rendimento familiar (envolvendo por isso todas as fontes oficiais de
rendimento) da população segmentada em decis (10 grupos com 10% da população
cada).
(Fonte: EUROSTAT, SILC) [ilc_di01]
Sabemos que a desigualdade
na distribuição do rendimento é elevada em Portugal para os padrões europeus,
tal como o ilustra a comparação de quota no rendimento dos percentis 1 a 5 e
dos percentis 96 a 100 (ver gráfico seguinte).
Mas o comportamento
observado de 2008 para 2011 revela que é sobretudo nos decis mais ricos (o nono
e o décimo) que se verifica impacto da crise em termos de queda de peso no
rendimento. Dirão alguns que estes números serão música para os ouvidos da
atual governação. Mesmo tendo em conta que os números não captam a economia
paralela e o efeito que ela produz sobre o rendimento equivalente das famílias,
há alguma conformidade entre estes resultados e os que decorrem de estudo
recente (The
Distributional Effects of Fiscal Consolidation in Nine Countries- EUROMOD
Working Paper No. EM 2/13) sobre os efeitos na distribuição do
rendimento provocados pelo processo de consolidação fiscal abrupta que está em
curso (ver gráfico seguinte). Neste estudo, é o primeiro decil que apresenta
uma queda percentual de rendimento mais acentuada, observando-se que só a partir
do 7º decil até ao 10º encontramos quedas percentuais iguais ou superiores ao
decil dos mais pobres.
Duas ideias para concluir.
Primeiro, o discurso governamental de que terá conseguido minimizar impactos
sobre os mais pobres não colhe, pois o 1º decil tem quedas acentuadas. Segundo,
a tese muito propagada de que terá sido a classe média a mais negativamente
impactada parece também não colher. Os decis intermédios têm quedas menos
acentuadas. Talvez a aproximação estatística ao conceito de classe média não
seja convincente. E convém não esquecer que o rendimento médio dos decis mais
altos tem de ser compreendido face ao baixo rendimento médio português.
De qualquer modo, a observação
de terreno e as evidências estatísticas nem sempre são facilmente
compatibilizadas.
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