Seguindo o inigualável Dr.
Eduardo Barroso, abro com a comunicação de que foi o meu filho – porque nem ele
nem eu temos culpa de ter filhos atentos e informados! – quem me chamou a
atenção para o facto. E o facto é o filme, agora disponibilizado em DVD, que venceu
este ano o Óscar para documentário de longa-metragem.
Trata-se de uma história singular
e deliciosa ocorrida em tempos que, não sendo muito longínquos (entre o início dos
anos 70 e o final dos anos 90), já nos parecem quase pré-históricos por tão
marcados serem ainda por uma incrivelmente limitada circulação da informação
quando comparada com os incomensuráveis fluxos que caraterizam a globalização dos
dias de hoje.
Um dos
“protagonistas” é Sixto Rodriguez, um cantor americano filho de um emigrante mexicano,
assumidamente marginal (quase sempre de guitarra às costas, tocando em
bares gay ou de motoqueiros e em
zonas de prostituição e droga, mostrando as suas composições aos colegas de
trabalho) e
cujo talento foi reconhecido pela edição de dois álbuns (“Cold Fact” em
1970 e “Coming From Reality” em 1971). Álbuns esses que, a despeito de magníficos (assim
como que um misto de folk e soul, lembrando Bob Dylan e
Richie Havens e contendo arranjos e orquestrações assombrosos para a época), passaram
despercebidos
e não lograram qualquer sucesso comercial.
Os outros “protagonistas”
são os cidadãos sul-africanos que, por uma série de acasos, acederam aos discos
de Rodriguez e dele fizeram uma figura de culto. Porque, naqueles tempos de apartheid na África do
Sul, a música de Rodriguez – cujas letras são plenas de angustiante
agressividade e politicamente corrosivas e interventivas, para além de
retratarem cruamente a vida nas ruas da sua Detroit natal e de utilizarem
frontalmente e sem moralismos as temáticas do sexo e da droga – e o “Sugar Man”
(alcunha proveniente do título da primeira canção do primeiro álbum) tinham
acabado por se tornar referências da juventude branca que contestava o regime e
de milhões de locais, apesar de desconhecerem quem era ao certo o autor e de se
terem até convencido de que estivesse morto por suicídio em palco.
Pois o dito Rodriguez desistira
de qualquer carreira artística e até se empenhara, frustradamente, na política
local. E o que o filme narra, de uma forma direta mas muito bem conseguida, é o
surpreendente encontro entre o mito e dois dos seus fãs sul-africanos mais
persistentes. Uma história com contornos tão extraordinários quanto a digressão
sul-africana de Rodriguez em 1998 e, talvez mais que tudo, a sua absoluta e
quase determinística conformação e a sua consciente recusa de mudança…
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