segunda-feira, 21 de outubro de 2013

RODRIGUEZ


Seguindo o inigualável Dr. Eduardo Barroso, abro com a comunicação de que foi o meu filho – porque nem ele nem eu temos culpa de ter filhos atentos e informados! – quem me chamou a atenção para o facto. E o facto é o filme, agora disponibilizado em DVD, que venceu este ano o Óscar para documentário de longa-metragem.

Trata-se de uma história singular e deliciosa ocorrida em tempos que, não sendo muito longínquos (entre o início dos anos 70 e o final dos anos 90), já nos parecem quase pré-históricos por tão marcados serem ainda por uma incrivelmente limitada circulação da informação quando comparada com os incomensuráveis fluxos que caraterizam a globalização dos dias de hoje.

Um dos “protagonistas” é Sixto Rodriguez, um cantor americano filho de um emigrante mexicano, assumidamente marginal (quase sempre de guitarra às costas, tocando em bares gay ou de motoqueiros e em zonas de prostituição e droga, mostrando as suas composições aos colegas de trabalho) e cujo talento foi reconhecido pela edição de dois álbuns (“Cold Fact” em 1970 e “Coming From Reality” em 1971). Álbuns esses que, a despeito de magníficos (assim como que um misto de folk e soul, lembrando Bob Dylan e Richie Havens e contendo arranjos e orquestrações assombrosos para a época), passaram despercebidos e não lograram qualquer sucesso comercial.

Os outros “protagonistas” são os cidadãos sul-africanos que, por uma série de acasos, acederam aos discos de Rodriguez e dele fizeram uma figura de culto. Porque, naqueles tempos de apartheid na África do Sul, a música de Rodriguez – cujas letras são plenas de angustiante agressividade e politicamente corrosivas e interventivas, para além de retratarem cruamente a vida nas ruas da sua Detroit natal e de utilizarem frontalmente e sem moralismos as temáticas do sexo e da droga – e o “Sugar Man” (alcunha proveniente do título da primeira canção do primeiro álbum) tinham acabado por se tornar referências da juventude branca que contestava o regime e de milhões de locais, apesar de desconhecerem quem era ao certo o autor e de se terem até convencido de que estivesse morto por suicídio em palco.

Pois o dito Rodriguez desistira de qualquer carreira artística e até se empenhara, frustradamente, na política local. E o que o filme narra, de uma forma direta mas muito bem conseguida, é o surpreendente encontro entre o mito e dois dos seus fãs sul-africanos mais persistentes. Uma história com contornos tão extraordinários quanto a digressão sul-africana de Rodriguez em 1998 e, talvez mais que tudo, a sua absoluta e quase determinística conformação e a sua consciente recusa de mudança…

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