sábado, 12 de outubro de 2013

PARA ALÉM DO PRECIPÍCIO FISCAL

(Brink Lindsey is a senior fellow at the Cato Institute and the author, most recently, of Human Capitalism: How Economic Growth Has Made Us Smarter—and More Unequal)


Hoje não me atrevo a falar sobre a situação portuguesa, sobre a palhaçada dos dois governos que se tramam mutuamente e que explicam em público o que a outra parte tem para dizer, sobre a salgalhada cruel que se anuncia a partir do Orçamento para 2014.
Não porque não tenha ganas de o fazer, zurzindo na governação mais desrespeitosa e impreparada de que tenho memória. Mas sobretudo porque depois das crónicas de hoje de Vasco Pulido Valente (“Prodigalidade e improvisação”) e de Pacheco Pereira (“O Gӧtterdämmerungzinho”), ambas no Público de hoje, está tudo dito, assina-se por baixo e difunde-se por todos que tenham ainda dois dedos de testa para pensar e, sobretudo, resistência e lucidez.
Por isso, deixo hoje a situação portuguesa a essas duas crónicas de estalo e viro-me para o que se passa na economia americana, algo que de cujo desfecho dependerá muito da possibilidade de manter uma atuação crítica sobre o pensamento que, com Barroso, Rehn e outras peças de calibre similar, vai cavando a sepultura europeia anunciada.
A América de Obama, tão abaixo das expectativas que criou na Europa, vive no momento dois processos rocambolescos, claramente interrelacionados, que se podem abater sobre uma frágil economia mundial como um fator poderoso de prolongamento da mais lenta recuperação de uma crise financeira de que há memória recente: o apagão da administração pública federal e o precipício fiscal que tem vindo a ameaçar a solvência da dívida pública americana. Por detrás de tudo isto, estão obviamente posições radicais extremadas de fações republicanas e, em menor dimensão, de democratas. A chegada de Janet Yellen ao FED dá alguma segurança a tudo isto, mas implícito no rocambolesco da situação em que a economia americana se encontra está um bloqueamento do crescimento económico na economia americana.
Brink Lindsey, no Policy Analysis nº 737 do Cato Institute, tem um artigo sugestivo sobre essa questão (Why growth is getting harder?).
O artigo de Lindsey é muito pedagógico pois situa o problema da economia americana em duas perspetivas de análise:

  • Uma, a que já neste blogue me tenho referido repetidas vezes, diz respeito à desaceleração, estagnação ou atenuação ilusória da progressão das ideias inovadoras sobre novos produtos e processos produtivos capazes de gerar crescimento económico a longo prazo e compensar a destruição de produtos e processos obsoletos;

  • Uma outra que pressupõe que a inovação não ocorre e que o crescimento do produto percapita e do bem-estar material da população depende de quatro fatores dinâmicos: a taxa de variação da participação do trabalho medida por exemplo pelas horas trabalhadas percapita; a variação da qualidade do trabalho medida imperfeitamente pela melhoria das suas qualificações; o crescimento do capital investido por trabalhador e a variação da produtividade global dos fatores que mede essencialmente as melhorias de eficiência na combinação entre trabalho e capital.

Curiosamente, em ambas as perspetivas predomina algum pessimismo entre os economistas.
No tema da inovação, há quem pense que a história desta vez não vai renovar-se e que a capacidade de inovação da economia americana está em desaceleração. Robert Gordon tem sido o economista que mais tem trabalhado esta vertente de discussão. A minha modesta posição aponta antes para o facto da economia americana, e consequentemente a economia mundial, estar numa fase de transição entre dois ciclos longos, não sendo ainda visível qual vai ser o conjunto de atividades motoras de um novo ciclo longo. Esperemos que viva o suficiente para saber se estou ou não enganado.
O artigo de Lindsey é mais prosaico e mostra que os quatro fatores dinâmicos que explicam a dinâmica de crescimento do produto percapita estão todos em queda na economia americana e com perspetivas para continuar essa queda. O que leva Lindsey a uma conclusão prosaica: terá de ser a inovação a compensar o efeito depressivo provocado por estes quatro fatores-chave da dinâmica económico num ambiente de progresso técnico estabilizado.
Más notícias para o curto médio prazo da economia americana e consequentemente maior ênfase necessária nas políticas públicas para assegurar a transição. Paradoxalmente, os republicanos mais radicais ameaçam fechar o país e o Estado.
Foi você que pediu republicanos mais inteligentes?
P.S. Um grande abraço de parabéns à Elisa Ferreira pelo justíssimo prémio de carreira da FEP, com relevo para o seu trabalho atual no Parlamento Europeu em torno de uma alternativa de gestão macroeconómica, monetária e financeira para a União que bem precisamos e que por isso exige continuidade de trabalho e de luta, motivos suficientes para justificar a sua permanência naquela tribuna.

O turbilhão de trabalho em que me encontro ditou a minha ausência e daí o abraço através deste blogue.

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