Nos últimos tempos, temos vivido aturdidos entre
o dictat dos mercados, particularmente
dos financeiros e oráculos solícitos sucedem-se todos os dias reivindicando o
estatuto de sábios intérpretes da exuberância por vezes irracional dos mesmos. Simultaneamente,
o resgate de alguns bancos inspirado pela necessidade considerada imperiosa e
urgente da estabilização do sistema financeiro e a descuidada gestão da recessão
colocam-nos perante o risco sério de dispormos paradoxalmente de um setor
financeiro que recupera saúde e estabilidade e de uma economia real debilitada,
senão perigosamente doente.
Poucos economistas têm dedicado tempo, pestanas e
cérebro a conceber ideias e abordagens alternativas para contrariar esta calma
que se vai instalando e que nos vai deixando indefesos relativamente à máxima já
gasta, cá e lá por fora, que não há alternativa.
Mariana Mazzucato, economista do Science and
Technology Policy (SPRU) da Universidade de Sussex (Brighton) no Reino Unido, é
uma das raras vozes desalinhadas nesta questão, pensando não por acaso a partir
da inovação e da dinâmica económica como algo de intrínseco à dinâmica do
capitalismo.
Mazzucato tem se desdobrado por duas linhas de
investigação, aparentemente distintas, mas fortemente relacionadas.
Por um lado, tem liderado processos de investigação
sobre a necessidade de rever de alto a baixo os mecanismos de financiamento da
inovação nas suas diferentes formas. Designadamente tem estudado as diferentes exigências
de financiamento que a inovação suscita consoante ela brota de novas pequenas
empresas que rompem com a rotina dos mercados ou de empresa de grande dimensão instaladas
e que inovam a partir das suas estruturas endógenas, ou mesmo envolve alianças
entre esses dois tipos de empresas, como acontece frequentemente na
biotecnologia. Em Agosto deste ano, a prestigiada Industrial and Corporate
Change dedicou a esse tema (inovação, financiamento e crescimento económico) um
número especial editado e coordenado pela referida autora.
Por outro lado, Mazzucato tem-se atirado
frontalmente aos mitos das relações entre Estado e mercado, contrariando a
velha ideia de que só a iniciativa privada cria mercado e mostrando que, em domínios
pelos quais a inovação trilha caminho a longo prazo, o Estado é criador de
mercados, sobretudo porque da sua intervenção depende a manutenção de uma visão
e de um racional em tempo suficientemente longo para permitir a também longa
maturação dos efeitos de inovação.
Haveremos de voltar a esta questão que toca no âmago
das relações entre público e privado e por isso é matéria obrigatória de reflexão
neste blogue. E não se trata de investigação exotérica. A prestigiada London School of Economics concedeu palco às suas ideias e aqui temos nesta era de disseminação notável do
conhecimento a sua palestra introduzida pelo Professor Danny Quah daquela
Escola. Vale a pena esquecer o lixo das ideias por alguns momentos e deixar o
pensamento livre e crítico fluir.
P.S. O Nobel de Economia deste ano consagra de
novo a conflitualidade do pensamento económico, atribuindo o galardão à tese da
eficiência dos mercados (Eugene Fama) e ao seu contrário (a exuberância irracional
dos mesmos de Robert J. Schiller), já que o galardão de Lars Hansen é essencialmente
devido a trabalho quantitativo de análise dos drivers da volatilidade desses
mesmos mercados. Não deixa de ser paradoxal que Eugene Fama tenha sido dos
economistas de Chicago que se manteve rígido e inflexível na não denúncia do
que se passou em 2008 na economia americana, rejeitando as evidências da ineficiência
e da irracionalidade.
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