O mais recente filme da veterana realizadora alemã Margarethe Von
Trotta (MVT) – que desde “A honra perdida de Katharina Blum”, em 1975, vem assinando
alguns trabalhos de intervenção muito focados na ação de protagonistas
femininas em momentos históricos especiais – não será talvez uma obra
cinematográfica de excecional envergadura, mas é seguramente um produto de
qualidade e que patenteia uma grande seriedade intelectual e importância
social.
A personalidade eleita é, desta vez, a notável filósofa alemã de origem
judia Hanna Arendt (HA, 1906-1975) –
incomparavelmente interpretada por Barbara Sukowa – e
o momento escolhido centra-se no início dos anos 60 quando HA, já estabelecida
numa Nova Iorque em ascensão, cobriu o julgamento em Jerusalém do oficial nazi Adolf
Eichmann e sobre ele escreveu para a revista “The New Yorker” algumas das suas páginas mais polémicas.
Refiro-me, por um lado, à corajosa afirmação de HA sobre uma eventual
responsabilidade cúmplice das elites judaicas na dimensão atingida pelo Holocausto.
Refiro-me, por outro lado, à “banalidade do mal”, i.e., à ideia de que Eichmann só pode ser compreendido no quadro da generalizada renúncia ao
pensamento individual que intensa e implacavelmente o envolveu e, de algum
modo, acabou por determinar. O que MVT tão bem integrou através de um cirúrgico
recurso aos materiais de arquivo do julgamento, designadamente quando o réu se
apresenta como mero elo de transmissão ou executor de ordens.
Depois, e para além de tudo isto, MVT consegue ainda obter um difícil
equilíbrio entre a exploração do jogo das ideias e a ligação destas à pessoa e
à vivência concreta de HA. Mostrando-a na sua inabalável rota de rigor e
imparcialidade, a de uma infinita lealdade ao pensamento e a de uma fidelidade
exclusiva a um limitadíssimo círculo de amigos íntimos. E chegando até a evocar
o doloroso exemplo-limite de Martin
Heidegger, o pensador (ou o "sonhador que não sabe o que faz") que foi mentor e amante de HA.
Retive mais três momentos: a defesa de HA quando proclamava que “tentar compreender não é perdoar”; a referência de HA a um crime contra a humanidade e não contra o povo judeu; a confissão de erro de HA segundo a qual o mal, ao contrário do bem, não pode ser simultaneamente banal e radical. A problemática, essa, é tão apaixonante quanto irresolúvel em face da complexidade fundamental do cada vez mais indecifrável género humano!
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