Pacheco Pereira tem razão em afirmar que os
portugueses estão numa verdadeira encruzilhada que consiste em vergar de vez a
espinha e submeter-se a uma das mais despudoradas formas de desrespeito
exterior pelas instituições democráticas nacionais ou, pelo contrário, criar
condições de margem de manobra política interna para uma maior autonomia de
decisão pese embora a vulnerabilidade financeira em que o resgate e o pós
resgate colocam a economia portuguesa.
A reunião dos elementos do puzzle que se vai
constituindo revela que existe uma pressão descabelada sobre o Tribunal
Constitucional, construída sob a tese de que este órgão está capturado por um
fenómeno de ativismo político. Não faço a mínima ideia de quem é o
representante da Comissão Europeia em Lisboa, um tal Luís Pessoa, mas
certamente adulterador de um nome que constitui um dos raros orgulhos de um
país deprimido. A nota informativa que a delegação em Lisboa enviou a Bruxelas,
mesmo admitindo a interpretação da própria delegação de que se trata de uma
nota descritiva do que se diz em Portugal sobre os posicionamentos do TC e não
de uma posição da Comissão, constitui uma afronta enviesada ao rigor. Na
verdade, se tivermos em conta o conjunto diversificado de personalidades de
vários quadrantes políticos que se tem colocado ou ao lado das posições do TC
ou compreendendo a inevitabilidade das suas posições, então o ativismo político
do TC é tão alargado que a sua magnitude é a melhor medida da inépcia deste
governo e das instituições internacionais que o têm apadrinhado.
Para apimentar esta questão, a nota da CE recorre
a um paper da Universidade de
Illinois, com participação de investigadores portugueses (Sofia Amaral Garcia –
Universidade Católica e Nuno Garoupa – Instituto Europeu de Florença), segundo
o qual o TC português revelaria uma maior propensão dos juízes indicados pela
direita para aprovar medidas decretadas por governos de esquerda do que o contrário
e apresentaria as características de um “legislador negativo”. Tenho o paper para ler em fila de espera e por
isso não me atrevo a julgá-lo. Mas o que esta nota da CE revela é uma forma
encapotada de mais uma pressão sobre o TC, uma espécie de voz do dono para
agradar ao chefe, o qual aliás com a metáfora do caldo entornado tinha ido já
longe de mais. O que ressalta de tudo isto é a urgência da CE em terminar o
processo de ajustamento sem pôr em causa o que já é evidente para todos os que
têm algum pensamento crítico. O programa falhou redondamente, não só pelos
custos colaterais que provocou e que implicarão danos dinâmicos consideráveis
para a economia portuguesa. Falhou também porque na prática não conseguiu
cumprir nenhuma das metas do défice a que se propôs. E porque não querem
assumir esse falhanço pressionam tudo e todos para participar nesta farsa e
tentar passar a uma abordagem menos rígida. Uma encruzilhada e uma grande
embrulhada. Pois compreendo que possa passar pela cabeça de muitos que mais
vale a pena participar na farsa e ganhar margem de manobra na fase
pretensamente menos rígida. A meu ver puro engano e um grande risco. Aliás,
como é que um governo, que baixou as calcinhas à primeira investida (metáfora
de Ricardo Araújo Pereira) para através do memorando fazer baixar as calcinhas
aos portugueses, tem condições para negociar com uma posição mais musculada? Alguém
por certo escreverá em futuro próximo sobre os encontros iniciais deste Governo
e sobre o modo exultante como alguns dos seus membros e acólitos assessores na
retaguarda salivaram com prazer o grande pretexto que lhes surgia para “revolucionar”
(metáfora de Pacheco Pereira) o país arcaico que detestavam.
Para embrulhar ainda mais isto está em aplicação
a regra de apresentação a Bruxelas dos orçamentos para 2014 para apreciação por
parte da Comissão Europeia até 15 de novembro, no âmbito das 6 regras de
governação económica entretanto aprovadas. O cerco aperta-se. Mas
paradoxalmente existem hoje dúvidas técnicas e metodológicas de grande monta (a
que nos referiremos em futuros posts) acerca dos métodos quantitativos que é necessário
operacionalizar para quantificar o produto potencial das economias, sem o qual
não será possível ter uma medida relativamente rigorosa do “défice estrutural”
que a aplicação do pacto Orçamental exige. “The
show must go on”.
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