sábado, 19 de outubro de 2013

ENCRUZILHADO-EMBRULHADA



Pacheco Pereira tem razão em afirmar que os portugueses estão numa verdadeira encruzilhada que consiste em vergar de vez a espinha e submeter-se a uma das mais despudoradas formas de desrespeito exterior pelas instituições democráticas nacionais ou, pelo contrário, criar condições de margem de manobra política interna para uma maior autonomia de decisão pese embora a vulnerabilidade financeira em que o resgate e o pós resgate colocam a economia portuguesa.
A reunião dos elementos do puzzle que se vai constituindo revela que existe uma pressão descabelada sobre o Tribunal Constitucional, construída sob a tese de que este órgão está capturado por um fenómeno de ativismo político. Não faço a mínima ideia de quem é o representante da Comissão Europeia em Lisboa, um tal Luís Pessoa, mas certamente adulterador de um nome que constitui um dos raros orgulhos de um país deprimido. A nota informativa que a delegação em Lisboa enviou a Bruxelas, mesmo admitindo a interpretação da própria delegação de que se trata de uma nota descritiva do que se diz em Portugal sobre os posicionamentos do TC e não de uma posição da Comissão, constitui uma afronta enviesada ao rigor. Na verdade, se tivermos em conta o conjunto diversificado de personalidades de vários quadrantes políticos que se tem colocado ou ao lado das posições do TC ou compreendendo a inevitabilidade das suas posições, então o ativismo político do TC é tão alargado que a sua magnitude é a melhor medida da inépcia deste governo e das instituições internacionais que o têm apadrinhado.
Para apimentar esta questão, a nota da CE recorre a um paper da Universidade de Illinois, com participação de investigadores portugueses (Sofia Amaral Garcia – Universidade Católica e Nuno Garoupa – Instituto Europeu de Florença), segundo o qual o TC português revelaria uma maior propensão dos juízes indicados pela direita para aprovar medidas decretadas por governos de esquerda do que o contrário e apresentaria as características de um “legislador negativo”. Tenho o paper para ler em fila de espera e por isso não me atrevo a julgá-lo. Mas o que esta nota da CE revela é uma forma encapotada de mais uma pressão sobre o TC, uma espécie de voz do dono para agradar ao chefe, o qual aliás com a metáfora do caldo entornado tinha ido já longe de mais. O que ressalta de tudo isto é a urgência da CE em terminar o processo de ajustamento sem pôr em causa o que já é evidente para todos os que têm algum pensamento crítico. O programa falhou redondamente, não só pelos custos colaterais que provocou e que implicarão danos dinâmicos consideráveis para a economia portuguesa. Falhou também porque na prática não conseguiu cumprir nenhuma das metas do défice a que se propôs. E porque não querem assumir esse falhanço pressionam tudo e todos para participar nesta farsa e tentar passar a uma abordagem menos rígida. Uma encruzilhada e uma grande embrulhada. Pois compreendo que possa passar pela cabeça de muitos que mais vale a pena participar na farsa e ganhar margem de manobra na fase pretensamente menos rígida. A meu ver puro engano e um grande risco. Aliás, como é que um governo, que baixou as calcinhas à primeira investida (metáfora de Ricardo Araújo Pereira) para através do memorando fazer baixar as calcinhas aos portugueses, tem condições para negociar com uma posição mais musculada? Alguém por certo escreverá em futuro próximo sobre os encontros iniciais deste Governo e sobre o modo exultante como alguns dos seus membros e acólitos assessores na retaguarda salivaram com prazer o grande pretexto que lhes surgia para “revolucionar” (metáfora de Pacheco Pereira) o país arcaico que detestavam.
Para embrulhar ainda mais isto está em aplicação a regra de apresentação a Bruxelas dos orçamentos para 2014 para apreciação por parte da Comissão Europeia até 15 de novembro, no âmbito das 6 regras de governação económica entretanto aprovadas. O cerco aperta-se. Mas paradoxalmente existem hoje dúvidas técnicas e metodológicas de grande monta (a que nos referiremos em futuros posts) acerca dos métodos quantitativos que é necessário operacionalizar para quantificar o produto potencial das economias, sem o qual não será possível ter uma medida relativamente rigorosa do “défice estrutural” que a aplicação do pacto Orçamental exige. “The show must go on”.

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