segunda-feira, 14 de outubro de 2013

UM ECONOMISTA QUE PENSA


Entrevista de José Manuel Félix Ribeiro (JMFR) a um órgão de comunicação social, uma raridade a nunca perder. No caso, os felizardos foram Isabel Tavares e o “Jornal i”, que excelentemente a sintetizou nestes termos: ”não diaboliza os alemães, acredita no diálogo permanente com os Estados Unidos e defende uma reforma de Portugal e o fim da obsessão europeia do país”. Vejamos alguns detalhes nada negligenciáveis, concorde-se mais ou menos.

Sobre a Alemanha, prevalência à distinção entre Merkel e Schäuble, a primeira caraterizada como tendo “um instinto mais atlantista que o resto da elite alemã” e o segundo como sendo “um federalista da velha escola”. Sublinhando ainda que “estão sozinhos, não têm armas, não têm um exército, não têm diplomacia, não têm nada” e que, portanto, “têm de ter tudo muito bem organizado para serem uma máquina exportadora”, na medida em que “os excedentes são o seu mealheiro”. E considerando, finalmente, que “a Alemanha está dividida entre as duas coisas: ou toma conta da Europa, e o resultado disso é que toda a gente na Europa a vai detestar [porque, tendo aquele padrão, teria de fazer a quadratura do círculo de gerir realidades tão contraditórias quantas as que se lhe apresentam na Europa], ou consegue arranjar uma maneira de não ficar sozinha a governar a Europa”. Donde a afirmação de que “a senhora Merkel é a melhor chanceler que os alemães podem ter”…

Sobre a União Europeia, destaque para a ideia de que ela “foi a maneira mais extraordinária e mais civilizada de os alemães pagarem reparações de guerra [contribuintes líquidos ao longo de trinta anos]”. Sendo ainda que “quando ouviram falar em moeda única, tentaram defender-se de uma forma muito clara de voltar a ter de pagar coisas à Europa em nome de um dever”, ou seja, que o euro foi construído numa versão light precisamente “porque os alemães não queriam ficar atrelados outra vez à responsabilidade de pagar tudo”. E, por fim, que “sempre achei que a resposta à unificação alemã devia ser o aprofundamento do espaço atlântico”, o que só “está a acontecer agora, primeiro com a proposta da senhora Merkel, a seguir com a proposta do senhor Obama, para fazer uma parceria transatlântica de comércio e investimento”.

Sobre Portugal, relevo para o dilema de fundo que se nos oferece: “ou Portugal se desintegra desta obsessão europeia, passa a olhar para outros territórios e consegue crescer, ou continua centrado na Europa e estagna”. Porque temos de sair da fase de ‘casa de repouso’ para uma fase em que estamos num mundo competitivo, porque os chineses criaram uma dinâmica na economia mundial imparável” e porque “uma vaga de exportação não é esta coisa de aumentar as exportações, uma vaga de exportação é uma vaga de investimento continuado durante dez anos no setor exportador” e “quando digo investimento falo em coisas novas, de raiz, com que se possa ganhar dinheiro a fazer em Portugal”.

Sobre Portugal, ainda, ênfase para o trilema que temos diante de nós: “o grande problema que eu vejo neste Memorando [da Troika] é que tem três agendas diferentes”, enumerando a do Fundo Monetário Internacional (FMI), a da Comissão Europeia (CE) e a do Banco Central Europeu (BCE) e as implicações contracionistas diversas de cada uma delas (da procura interna, do Estado e da banca, respetivamente). Concretizando: para o FMI, “o país tem de ser capaz de viver num período de globalização vendendo no exterior o suficiente para se sustentar e tem de pagar a dívida que contraiu”; a CE, sabendo que “os alemães preferiam ter uma zona euro dirigida por uma entidade sedeada no Conselho Europeu” e querendo “defender a sua sobrevivência”, “está a ser mais papista que o papa e obriga-nos a controlar défices, além de querer que o Estado gere um saldo primário, sem contar com juros, para pagar a dívida”; a preocupação maior do BCE é “ver-se livre dos bancos portugueses, ter um sistema bancário com a dimensão do pais e não alavancado no exterior”.

A dado momento da entrevista, o sempre circunspecto e tenso JMFR ter-se-á distraído para lá do que lhe é habitual. Por um lado, ao afirmar que “a ciência económica não é uma prática medieval assente em (…) sangrias, amputações e cortes sem anestesia” e que “Portugal desempenhou até agora um papel fundamental na zona euro, que é o do saco de areia para estancar a inundação” [leia-se, “impedimos que o centro fosse logo atacado pelos mercados”]. Por outro lado, ao aventar a hipótese de ganharmos coragem para negociar em Bruxelas o preço deste nosso papel de estancamento, sugerindo o não pagamento da dívida – “a dívida no sentido do custo que isto está a ter, aquela que é detida por entidades públicas, não aos mercados, não vamos fazer o que Schäuble obrigou os gregos a fazer, que foi irritar toda a gente, é pôr tudo a fugir da Grécia” – e deixando uma inquietante dúvida sobre “se esse preço se paga saindo ou mantendo-nos dentro da Europa”…

Sem comentários:

Enviar um comentário