Entrevista de José Manuel Félix
Ribeiro (JMFR) a um órgão de comunicação social, uma raridade a nunca perder.
No caso, os felizardos foram Isabel Tavares e o “Jornal i”, que excelentemente
a sintetizou nestes termos: ”não diaboliza os alemães, acredita no diálogo
permanente com os Estados Unidos e defende uma reforma de Portugal e o fim da
obsessão europeia do país”. Vejamos alguns detalhes nada negligenciáveis,
concorde-se mais ou menos.
Sobre a Alemanha, prevalência à
distinção entre Merkel e Schäuble, a primeira caraterizada como
tendo “um instinto mais atlantista que o resto da elite alemã” e o segundo como
sendo “um federalista da velha escola”. Sublinhando ainda que “estão sozinhos,
não têm armas, não têm um exército, não têm diplomacia, não têm nada” e que,
portanto, “têm de ter tudo muito bem organizado para serem uma máquina
exportadora”, na medida em que “os excedentes são o seu mealheiro”. E
considerando, finalmente, que “a Alemanha está dividida entre as duas coisas:
ou toma conta da Europa, e o resultado disso é que toda a gente na Europa a vai
detestar [porque, tendo aquele padrão, teria de fazer a quadratura do círculo
de gerir realidades tão contraditórias quantas as que se lhe apresentam na
Europa], ou consegue arranjar uma maneira de não ficar sozinha a governar a Europa”.
Donde a afirmação de que “a senhora Merkel é a melhor chanceler que os alemães
podem ter”…
Sobre a União Europeia, destaque
para a ideia de que ela “foi a maneira mais extraordinária e mais civilizada de
os alemães pagarem reparações de guerra [contribuintes líquidos ao longo de
trinta anos]”. Sendo ainda que “quando ouviram falar em moeda única, tentaram
defender-se de uma forma muito clara de voltar a ter de pagar coisas à Europa
em nome de um dever”, ou seja, que o euro foi construído numa versão light precisamente “porque os alemães
não queriam ficar atrelados outra vez à responsabilidade de pagar tudo”. E, por
fim, que “sempre achei que a resposta à unificação alemã devia ser o
aprofundamento do espaço atlântico”, o que só “está a acontecer agora, primeiro
com a proposta da senhora Merkel, a seguir com a proposta do senhor Obama, para
fazer uma parceria transatlântica de comércio e investimento”.
Sobre Portugal, relevo para o
dilema de fundo que se nos oferece: “ou Portugal se desintegra desta obsessão
europeia, passa a olhar para outros territórios e consegue crescer, ou continua
centrado na Europa e estagna”. Porque temos de sair da fase de ‘casa de
repouso’ para uma fase em que estamos num mundo competitivo, porque os chineses
criaram uma dinâmica na economia mundial imparável” e porque “uma vaga de
exportação não é esta coisa de aumentar as exportações, uma vaga de exportação
é uma vaga de investimento continuado durante dez anos no setor exportador” e
“quando digo investimento falo em coisas novas, de raiz, com que se possa
ganhar dinheiro a fazer em Portugal”.
Sobre Portugal, ainda, ênfase
para o trilema que temos diante de nós: “o grande problema que eu vejo neste
Memorando [da Troika] é que tem três agendas diferentes”, enumerando a do Fundo
Monetário Internacional (FMI), a da Comissão Europeia (CE) e a do Banco Central
Europeu (BCE) e as implicações contracionistas diversas de cada uma delas (da
procura interna, do Estado e da banca, respetivamente). Concretizando: para o
FMI, “o país tem de ser capaz de viver num período de globalização vendendo no
exterior o suficiente para se sustentar e tem de pagar a dívida que contraiu”;
a CE, sabendo que “os alemães preferiam ter uma zona euro dirigida por uma
entidade sedeada no Conselho Europeu” e querendo “defender a sua
sobrevivência”, “está a ser mais papista que o papa e obriga-nos a controlar
défices, além de querer que o Estado gere um saldo primário, sem contar com
juros, para pagar a dívida”; a preocupação maior do BCE é “ver-se livre dos
bancos portugueses, ter um sistema bancário com a dimensão do pais e não
alavancado no exterior”.
A dado momento da entrevista, o
sempre circunspecto e tenso JMFR ter-se-á distraído para lá do que lhe é
habitual. Por um lado, ao afirmar que “a ciência económica não é uma prática
medieval assente em (…) sangrias, amputações e cortes sem anestesia” e que
“Portugal desempenhou até agora um papel fundamental na zona euro, que é o do
saco de areia para estancar a inundação” [leia-se, “impedimos que o centro
fosse logo atacado pelos mercados”]. Por outro lado, ao aventar a hipótese de
ganharmos coragem para negociar em Bruxelas o preço deste nosso papel de
estancamento, sugerindo o não pagamento da dívida – “a dívida no sentido do
custo que isto está a ter, aquela que é detida por entidades públicas, não aos
mercados, não vamos fazer o que Schäuble obrigou os gregos a fazer,
que foi irritar toda a gente, é pôr tudo a fugir da Grécia” – e deixando uma
inquietante dúvida sobre “se esse preço se paga saindo ou mantendo-nos dentro
da Europa”…
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