(com a devida vénia ao think tank BRUEGEL, no qual podemos encontrar uma boa síntese deste problema - http://www.bruegel.org/nc/blog/detail/article/1176-blogs-review-the-structural-balance-controversy/)
Trata-se de matéria pouco adequada a este blogue,
sobretudo pela sua complexidade técnica, mas a imaginação doentia de alguns políticos
europeus acabou por consagrá-la na letra da lei europeia no âmbito do chamado “compacto
fiscal” que impõe (pasme-se!) que os défices públicos dos países membros da
zona euro não ultrapassem, em termos de défice estrutural, 0,5% do PIB. Relembre-se
que o pacto ou compacto fiscal, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro do
presente ano, foi apoiado pelos partidos do chamado arco da governação,
incluindo o PS do Seguro com sentido de estado.
Em termos de conceito, o défice estrutural não
tem muito que se lhe diga. Trata-se do défice público que seria atingido sem
medidas orçamentais extraordinárias e neutralizando os efeitos do ciclo económico.
Por exemplo, se estivermos em recessão, o défice estrutural é calculado
admitindo que as receitas públicas seriam mais elevadas e que as despesas públicas
seriam mais baixas.
Porém, quando se passa à quantificação, a questão
não é assim tão simples. Como o défice estrutural de um dado ano tem de neutralizar
os efeitos da fase do ciclo económico em que a economia se encontra, é necessário
medir com algum rigor se o produto da economia nesse ano se encontra num
momento expansivo ou recessivo. Na versão mais divulgada e corrente, pressupõe-se
que a economia evolui em torno de uma tendência (ela própria mutável ao longo
do tempo que mede o produto máximo potencial da economia) e são os desvios da
economia real face a essa tendência que definem o estado expansivo ou recessivo
dessa mesma economia. Outros economistas, porém, como por exemplo o conhecido
Milton Friedman consideram que a economia, em expansão, pode no máximo evoluir
ao longo de um teto máximo do produto e que a magnitude da recessão é dada pela
distância a que a economia se encontra em relação a esse teto.
Pode assim concluir-se que a quantificação do défice
estrutural enfrenta problemas complexos de medida. Existe uma relação em
economia entre duas variáveis fundamentais (lei de OKUN): o chamado “output gap”
que mede a diferença entre o produto máximo potencial da economia e o produto
real observado e a diferença entre a taxa de desemprego observada e a taxa de
desemprego natural. Quanto maior for a diferença entre o produto potencial e o
observado (ou seja quanto mais abaixo o produto real estiver do produto potencial)
mais afastada estará a taxa de desemprego observada da taxa natural: a relação
de OKUN é pois negativa.
Os métodos conhecidos oscilam entre a quantificação
do “output gap” (determinação do
produto potencial) e a quantificação da taxa de desemprego natural
(determinando um termo da relação teremos automaticamente determinado o outro.
Usando uma terminologia tão cara ao Presidente
Barroso, que deveria olhar para dentro da instituição a que preside, o “caldo
tem andado entornado”. Vários economistas têm denunciado que a Comissão
Europeia está presentemente a subestimar o “output
gap” já que sobrestima a taxa natural de desemprego. Fazendo-o, está a sobrestimar
a medida do défice estrutural. Ora, se assim é, estamos a entrar em domínio não
neutro. Sobrestimar o défice estrutural equivalerá, no quadro do compacto
fiscal, a aumentar erradamente a pressão de austeridade para o corrigir.
Há várias razões para os erros de medida do “output gap” cuja descrição transcende o
objeto desta crónica. O grupo de trabalho da Comissão Europeia em que os
resultados do cálculo do “output gap”
são discutidos parece não dedicar ao tema a importância necessária e há quem diga
que os representantes dos países não estão em condições de discutir a complexidade
técnica do assunto.
Moral da história: os políticos europeus e
nacionais aceitaram incorporar na letra do compacto fiscal que orientará a
supervisão orçamental dos países da zona euro um indicador cuja medida é
presentemente muito controversa. O problema é que não ficamos por aí. A tendência
para em recessão o cálculo do “output gap”
ser subestimado e daí a pressão de austeridade ser intensificada para além do necessário
não se queda pelos gabinetes de Bruxelas ou da investigação económica empírica.
Atinge pessoas, maltrata-as, violenta as suas condições de vida, sem base de
rigor para o fazer. Trágico e denunciador da baixa qualidade da decisão política
que nos conduziu a tais situações.
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