quinta-feira, 24 de outubro de 2013

DÉFICE ESTRUTURAL

(com a devida vénia ao think tank BRUEGEL, no qual podemos encontrar uma boa síntese deste problema - http://www.bruegel.org/nc/blog/detail/article/1176-blogs-review-the-structural-balance-controversy/)


Trata-se de matéria pouco adequada a este blogue, sobretudo pela sua complexidade técnica, mas a imaginação doentia de alguns políticos europeus acabou por consagrá-la na letra da lei europeia no âmbito do chamado “compacto fiscal” que impõe (pasme-se!) que os défices públicos dos países membros da zona euro não ultrapassem, em termos de défice estrutural, 0,5% do PIB. Relembre-se que o pacto ou compacto fiscal, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro do presente ano, foi apoiado pelos partidos do chamado arco da governação, incluindo o PS do Seguro com sentido de estado.
Em termos de conceito, o défice estrutural não tem muito que se lhe diga. Trata-se do défice público que seria atingido sem medidas orçamentais extraordinárias e neutralizando os efeitos do ciclo económico. Por exemplo, se estivermos em recessão, o défice estrutural é calculado admitindo que as receitas públicas seriam mais elevadas e que as despesas públicas seriam mais baixas.
Porém, quando se passa à quantificação, a questão não é assim tão simples. Como o défice estrutural de um dado ano tem de neutralizar os efeitos da fase do ciclo económico em que a economia se encontra, é necessário medir com algum rigor se o produto da economia nesse ano se encontra num momento expansivo ou recessivo. Na versão mais divulgada e corrente, pressupõe-se que a economia evolui em torno de uma tendência (ela própria mutável ao longo do tempo que mede o produto máximo potencial da economia) e são os desvios da economia real face a essa tendência que definem o estado expansivo ou recessivo dessa mesma economia. Outros economistas, porém, como por exemplo o conhecido Milton Friedman consideram que a economia, em expansão, pode no máximo evoluir ao longo de um teto máximo do produto e que a magnitude da recessão é dada pela distância a que a economia se encontra em relação a esse teto.
Pode assim concluir-se que a quantificação do défice estrutural enfrenta problemas complexos de medida. Existe uma relação em economia entre duas variáveis fundamentais (lei de OKUN): o chamado “output gap” que mede a diferença entre o produto máximo potencial da economia e o produto real observado e a diferença entre a taxa de desemprego observada e a taxa de desemprego natural. Quanto maior for a diferença entre o produto potencial e o observado (ou seja quanto mais abaixo o produto real estiver do produto potencial) mais afastada estará a taxa de desemprego observada da taxa natural: a relação de OKUN é pois negativa.
Os métodos conhecidos oscilam entre a quantificação do “output gap” (determinação do produto potencial) e a quantificação da taxa de desemprego natural (determinando um termo da relação teremos automaticamente determinado o outro.
Usando uma terminologia tão cara ao Presidente Barroso, que deveria olhar para dentro da instituição a que preside, o “caldo tem andado entornado”. Vários economistas têm denunciado que a Comissão Europeia está presentemente a subestimar o “output gap” já que sobrestima a taxa natural de desemprego. Fazendo-o, está a sobrestimar a medida do défice estrutural. Ora, se assim é, estamos a entrar em domínio não neutro. Sobrestimar o défice estrutural equivalerá, no quadro do compacto fiscal, a aumentar erradamente a pressão de austeridade para o corrigir.
Há várias razões para os erros de medida do “output gap” cuja descrição transcende o objeto desta crónica. O grupo de trabalho da Comissão Europeia em que os resultados do cálculo do “output gap” são discutidos parece não dedicar ao tema a importância necessária e há quem diga que os representantes dos países não estão em condições de discutir a complexidade técnica do assunto.
Moral da história: os políticos europeus e nacionais aceitaram incorporar na letra do compacto fiscal que orientará a supervisão orçamental dos países da zona euro um indicador cuja medida é presentemente muito controversa. O problema é que não ficamos por aí. A tendência para em recessão o cálculo do “output gap” ser subestimado e daí a pressão de austeridade ser intensificada para além do necessário não se queda pelos gabinetes de Bruxelas ou da investigação económica empírica. Atinge pessoas, maltrata-as, violenta as suas condições de vida, sem base de rigor para o fazer. Trágico e denunciador da baixa qualidade da decisão política que nos conduziu a tais situações.

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