domingo, 6 de outubro de 2013

TUDO PODE DAR CERTO, UM DIA

(Rodrigo Matos, http://expresso.sapo.pt)


Sou um enormíssimo apreciador de Woody Allen, tanto das suas multifacetadas qualidades artístico-cinematográficas como da cultura e criatividade que revela enquanto argumentista. Uma razão mais para expressar a minha irritação pela deriva de mercenarização de que infelizmente vem dando mostras nos seus mais recentes tempos de metteur en scène em cidades europeias (por contraponto ao film director nova-iorquino). E de que só me convenci quando li, vinda da boca do próprio em entrevista ao “Expresso” (14 setembro 2012), a correspondente e dolorosa confissão.

Antes, ainda ingenuamente tocado pela crença, tinha começado por gostar imenso do londrino “Match Point” (2005), dera depois o benefício da dúvida ao barcelonês “Vicky Cristina Barcelona” (2008) e voltara a achar alguma graça ao parisiense “Midnight in Paris” (2011), para seguidamente detestar o romano “To Rome With Love” (2012). E não tinha levado a sério uma alegada abordagem do primeiro-ministro Sócrates ao realizador sobre a hipótese de filmar em Lisboa.

Mais recentemente, e já devidamente desencantado, encarei com naturalidade (vindo de quem vinha) o “marketing político” de Portas veiculado através do “Jornal i”. Mas não deixei de me espantar quando constatei que António Costa cedia à tentação (ou caía na armadilha?): “Tem havido contactos, quer por parte do município quer por parte do Estado, e acho que um dia serão um sucesso”. Ainda que declarando também, com a grande habilidade política que o carateriza: “Infelizmente não estou nas condições de dizer o que o prefeito Eduardo Paes, no Rio de Janeiro, disse: que pagava o que fosse necessário para que Woody Allen filmasse o Rio. Mas tenho esperança que um dia seja possível encontrar as nossas capacidades com as necessidades dele.”

Já o amargurado Menezes fora igual a si próprio na reação a todo este imbróglio, i.e., provinciano até aos balneários. Assim disse: “Se o Estado Português apostar nessa estratégia, eu acho que o senhor primeiro-ministro e o senhor ministro Paulo Portas devem apostar na cidade do Porto. Lisboa já tem 40% do turismo nacional, o Porto tem 8% e está numa fase de afirmação de imagem internacional. Seria uma atitude centralista insuportável que o Estado fosse financiar um filme do Woody Allen feito em Lisboa para promover turisticamente o país.”

É óbvio que, no fundo, qualquer projeto deste tipo estaria sempre ferido de irrealismo nas atuais circunstâncias, seja porque o Portugal de hoje já é ele próprio uma comédia ao vivo seja porque isto não está para grandes comédias no Portugal de hoje. E quem sabe, aliás, se um dia algum Allen que por aí apareça não descobre Lisboa ou o Porto pelos seus próprios meios?

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