quinta-feira, 3 de outubro de 2013

EMPRESAS GLOBAIS




A fusão anunciada da PT e da Oi constitui um facto bem sugestivo do que hoje significa falar de empresas globais e principalmente do que significa desenvolver estratégias concretas para as tornar realidade como verdadeiros “players” no negócio internacional.

Assisti há já alguns anos a discussões realizadas no âmbito dos instrumentos de política pública vocacionados para influenciar o perfil de especialização da economia e apoiar o investimento empresarial que melhor se adapta a tais estratégias. Discutia-se muito na altura a ideia (sonho) de estruturar em Portugal um grupo empresarial na área das telecomunicações, capaz de protagonizar a alavancagem de todo um conjunto de áreas relacionadas que iam, na altura, das telecomunicações em sentido mais estrito a outros domínios como as tecnologias de informação, a indústria dos media e sobretudo de potenciar o elevado potencial de investigação e conhecimento que se antecipava ser possível recriar no país. No meio dessa ambição apareciam aqui e ali algumas ideias projetadas a partir do Norte, sobretudo a partir do INESC Porto, então também em processo de autonomização face ao projeto inicial, que emanava de Lisboa com nomes como José Tribolet e Lourenço Fernandes e onde se integrava a geração de doutorados promissores que regressava então à base (Pedro Guedes de Oliveira, Pimenta Alves e muitos outros, para falar apenas daqueles com os mais mantive uma maior proximidade). Na altura, o grande potencial de investigação e inovação da PT ainda se situava no Instituto de Inovação em Aveiro, fortemente articulado com a energia mobilizadora dessa jovem universidade.
Na altura, a experiência da Coreia do Sul era muito referenciada. Ela mostrava que, a partir de uma economia então longe da fronteira tecnológica, era possível um esforço de raiz voluntarista e fortemente planeado em construir grupos empresariais em domínios de aposta tecnológica, como o foi por exemplo a preparação do caminho da Samsung. Apoiado por uma política industrial e tecnológica baseada simultaneamente na importação seletiva de tecnologia e na mobilização de conhecimento (investigação) – inovação interno ao país e numa forte discriminação positiva de grupos empresariais de natureza familiar com os quais interagiam um vasto universo de PME, a Coreia do Sul revolucionava na altura as ambições da política industrial e tecnológica, sobretudo visto na perspetiva da industrialização tardia e dependente.
Está por fazer a história para saber se argumentos desse teor estiveram na base de algum do apoio a uma PT em crescimento, em ambiente fortemente abrigado que foi sendo responsável por preços relativos de telecomunicações bem acima do nosso nível de desenvolvimento. Ou se tal apoio foi sendo concretizado em função de outros “argumentos”, como por exemplo a tão abordada prática neste blogue da captura do Estado. Em termos técnicos deve aqui dizer-se que há uma lei estrutural em economia (com as limitações e especificidades que as mesmas têm em economia) que associa o preço relativo dos serviços e o nível de desenvolvimento económico do país. Não vamos desenvolver o tema, mas vários estudos internacionais mostraram que o preço relativo das telecomunicações em Portugal estava acima dessa relação, aliás ainda evidenciado pelas preocupações da Troika em rebaixar esses preços.
Como é óbvio, a situação tornou-se mais complexa quando outros grupos empresariais, conhecidos de todos, intervieram decisivamente no mercado nacional, passando alguns deles a aspirar ao mesmo desígnio. Designadamente, a abortada OPA da Sonaecom sobre a PT merece por si só uma história futura.
Ora, encurtando a história, a fusão da PT e da Oi transporta finalmente a PT para o estatuto de player global, fazendo-o a partir do pujante potencial de mercado da lusofonia. Mas, ironia já anunciada, fá-lo transformando-se naturalmente numa empresa global “brasileira”. Como se diz de novo na economia do desenvolvimento, “dimension matters”. Os mais otimistas dirão que não será uma empresa global “brasileira” mas lusófona, abrindo caminho, por via da cumplicidade da língua, a amplas oportunidades de futura presença na economia global a atividades e serviços que sempre giraram em torno da PT.
Vale a pena seguir este processo no futuro. Até porque outros grupos empresariais (Zon-Optimus) tentarão também, através do caminho de África e da nova exploradora de rotas comerciais que Isabel dos Santos representa, posicionar-se no potencial da lusofonia.
Este é de facto outro mundo que interessará muito pouco à esmagadora maioria das empresas portuguesas. A estas restarão outras estratégias, de internacionalização de nicho, tirando partido de uma característica genética que é o de saber vender em mercados externos.
Oportunísticamente, o fiscalista Tiago Guerreiro proclamava ontem que se Portugal fosse fiscalmente competitivo a sede da futura PT-Oi estaria em Portugal e não no Brasil. Como? Terei ouvido bem? Será que a bondade do projeto de descida do IRC de Lobo Xavier estaria a pensar neste tipo de atratividade? Não me parece. A razão é outra: “dimension matters” mas há muita gente que se recusa a entendê-lo e Tiago Guerreiro será certamente um deles.

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