(Uma questão
recorrente: os mercados podem falhar?)
As dificuldades de consolidar uma recuperação sólida na grande maioria das
economias avançadas (para já não falar do Japão que luta há bastante mais tempo
contra as incidências da deflação) têm colocado à prova as convicções dos
economistas que esperavam que, de uma vez por todas, a época da Grande Moderação
se iria impor macroeconomicamente. Por Grande Moderação é regra geral entendido
o período de ciclos económicos suaves em que a política monetária e a independência
dos bancos centrais pareciam ter dominado a turbulência e a incerteza. Assim, não
foi tanto o despautério dos acontecimentos financeiros que marcou a crise
dessas convicções, mas sobretudo a permanência da instabilidade e da turbulência
após ter-se evitado a propagação do pânico financeiro.
Claro que é recorrente esse choque de convicções ser abordado por dois
tipos de reações. Os macroeconomistas de pensamento mais aberto que não enjeitam
a necessidade de revisão de princípios (seja porque atempadamente alertaram
para a inconsistência dessas convicções, seja porque não procuram tapar as evidências
com a peneira dos princípios) e os que se encasulam na ideia de que os mercados
nunca falham, aguardando por isso o regresso às convicções perdidas ou abaladas.
A permanência das taxas de juro no ambiente profusamente documentado neste
blogue do “Zero Lower Bound”, que já
foi batizado por alguns como as economias ZLB, com taxas nulas ou negativas, tem
continuado a abalar convicções e a despertar a movimentação do pensamento económico.
De facto, a regra de conduta dos bancos centrais de se guiarem por um objeto de
inflação de 2% está já há demasiado tempo desacreditada, apesar da prática
generalizada de “quantitative easing”
que tenta por diferentes vias e mecanismos estimular o crédito às economias e
com isso vencer a pressão deflacionária. Poucas economias têm tentado combinar
a política monetária com estímulos fiscais à procura e aumentos de despesa pública
e por isso a política monetária se vê envolvida em processos cada vez mais
insistente de “easing” monetário como
acontece presentemente com a zona euro e o BCE.
Claro que os mais teimosos e resistentes à necessidade de rever convicções
(muitas vezes por reflexo condicionado, inércia ou simplesmente receio de perda
de notoriedade) teriam que se lembrar do inimaginável, mais propriamente culpar
as próprias políticas de estímulo monetário pelo valor pretensamente anormal
das taxas de juro. John Taylor é o autor dessa façanha e percebe-se a sua
incomodidade em toda esta história. Taylor é o economista que deu o nome à
regra pretensamente de ouro dos bancos centrais que conduziria o tal período da
Grande Moderação (a chamada regra de Taylor), estruturada em torno do objetivo dos
2% de inflação. Ora, essa regra enquanto as expectativas inflacionárias não se
instalarem de novo fará papel de relíquia.
Bradford DeLong dedica-lhe no Project Syndicate uma desmontagem frontal, chamando a atenção para uma expressão de
Olivier Blanchard sobre estas situações de convicções abaladas e para as quais
a teoria económica tarda em propor explicações consequentes. O que Blanchard
chama os “cantos escuros da economia”. E, neste caso, a boa orientação está em
procurar as razões na própria situação em que as economias avançadas se
encontram e aí admitindo-se que haverá rumos que apontam para as condições de
oferta e outras para as condições de procura. No fundo, bem lá no fundo, emerge
a recorrente convicção de que os mercados não falham e daí a vontade de culpar
as intervenções de política, sobretudo as mais inusitadas e esdrúxulas, pelas anomalias
que ferem convicções. E os Taylors deste mundo não desaparecerão nunca …
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