(Acabou!
Acabou mesmo, como o sugere o José Pacheco Pereira?)
Por razões meramente profissionais, estive ontem em
Lisboa, no Grande Auditório do LNEC, numa reunião por onde já se sentia a
mudança de ciclo, ou mais prosaicamente, pelo menos para alguns, a mudança de
patrão. Por coincidências da vida de avaliador de políticas públicas, dei
comigo a participar em algo que não considerava ser possível. A reunião
promovida pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão (ADC), entidade que gere
na prática a aplicação do Portugal 2020, configurava o Comité de Acompanhamento
Conjunto de 9 (imaginem bem) Programas Operacionais (PO), 5 PO Regionais
(Norte, Centro, Alentejo, Lisboa e Algarve) e 4 PO Temáticos (Competitividade e
Internacionalização, Inclusão Social e Emprego, Sustententabilidade e Uso
Eficiente dos Recursos e Capital Humano). Coisa para mais de 200 pessoas, num
figurino de reunião prevista para uma longa manhã, com uma ordem de trabalhos
bastante complexa. Primeiro, para dar conta e informação do estado de avanço da
implementação da execução do Portugal 2020, onde avulta a larguíssima tarefa
das condicionalidades ex-ante, uma
novidade deste período de programação, em que o governo português apresenta à
Comissão Europeia a demonstração de que estão verificadas as condições de eficácia
das políticas públicas cofinanciadas pelos Fundos Europeus Estruturais e de
Investimento (FEEI), que integram coisas como transposições de diretivas,
ajustamentos legais, planos estratégicos setoriais e outras, num verdadeiro
inferno de suportes de planeamento. Segundo, para apresentar e aprovar o Plano
Nacional de Avaliação que a ADC, em conjunto com as Autoridades de Gestão da
parnefália de PO, que irá ser implementado neste período de programação.
Terceiro, para apresentar resultados das avaliações ex-ante (AEA) da aplicação de instrumentos financeiros aos domínios
da (i) eficiência energética, (ii) revitalização urbana e (iii) inovação
social, microempreendedorismo e criação do próprio emprego e empréstimos a
estudantes do ensino superior e aprovar as estratégias de investimento que as
respetivas AG (e critérios de seleção de projetos) decidiram aplicar a partir
dos resultados das AEA.
Este vosso amigo caiu imprevistamente neste universo para
apresentar os resultados da AEA da aplicação de instrumentos financeiros nas
áreas da inovação social, microempreendedorismo e empréstimos a estudantes do
ensino superior. Cheguei profissionalmente por volta das nove horas, a sessão
começou já depois das dez e só consegui almoçar na Versalhes por volta das
16.15, certamente já com a cerimónia de Belém a começar, o que mostra o inferno
do Comité de Acompanhamento conjunto. O modelo de combinar numa mesma reunião a
apresentação de resultados de AEA e as estratégias de investimento da
programação que resultam dessas mesmas AEA é um modelo interessante e até
estimulante do ponto de vista das relações entre avaliadores, decisores
políticos e programadores. Mas fazê-lo num universo de 9 comités de
acompanhamento não lembraria ao mais imaginativo, sobretudo no contexto de uma
programação comunitária que está cada vez mais densa e longe do cidadão normal,
tamanha é a sua complexidade. Tudo isto no meio de representantes nos Comités
de Acompanhamento que raramente fazem o seu trabalho de casa, não lendo os
documentos sobre os quais devem emitir parecer. Aliás, no estado em que a
Administração Pública está, a leitura de relatórios deve estar a ser entendida
como uma tarefa de colossal e ciclópica dificuldade, tamanha é a proporção dos
que devem ler a capa e nem sequer o índice, preferindo divertir-se no You Tube, no Facebook ou no Tweeter ou
a zurzir no chefe que chegou à socapa ao serviço. Exceção notável para os
representantes da CGTP, que têm nestes comités uma presença exemplar de
interesse e comentário crítico (aliás os únicos a criticar insistentemente o
modelo de reunião) e da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP)
também com contributos relevantes.
Gostaria de facto de ter tido a possibilidade de discutir
o âmbito da AEA na área social num outro contexto de debate, pois a aplicação
de instrumentos financeiros na área social exige uma clarificação do paradigma
de intervenção social que se pretende lançar no futuro próximo. A consideração
de IF na intervenção social deve ser tratada com pinças, dada a existência de
dois mundos, a velha e a nova economia social e sobretudo atendendo ao
relacionamento que deve ser claro entre apoios sob a forma de subvenções não
reembolsáveis e a aplicação de instrumentos financeiros.
Mas manifestamente ontem isso era impossível e para mais
a intervenção da Comissão Europeia nestas matérias é cada vez mais obra de
funcionários intermédios, em cujas impressões é necessário alguma imaginação para
encontrar algo de relevante e merecedor de reflexão. E tudo isto lá vai rolando
… La machine de programmation oblige
…
Mas o tema do post
é o estabelecimento de relações entre aquela verdadeira reunião de “massas” (de
pessoas e de fundos, esclareça-se) e a tomada de posse na Ajuda do XXI Governo
Constitucional chefiado por António Costa. E nestas coisas não resisto às
metáforas.
E a primeira metáfora é a perceção de que aquela reunião
afinal acontecia numa instituição com lastro que vai para além da sucessão de
governos. Afinal trata-se do LNEC. Não vou discutir se o LNEC tem a áurea de
outros tempos ou se a intervenção política tem feito coisas para valorizar o
conhecimento aí existente ou se pelo contrário o tem denegrido com as consultas
técnicas à medida do que se quer ouvir. Mas mesmo em termos de infraestrutura e
arquitetura o peso da instituição sente-se. Curiosamente e daí a metáfora, o
ambiente que se vivia nos pequenos encontros em torno de um modesto catering que rapidamente se esfumou para
desencanto dos que desejavam acomodar o estômago dado o adiantado da hora
(afinal a austeridade não acabou!) era tudo menos de resiliência institucional.
Grande parte dos personagens presentes na reunião não é amovível pela mudança
de governo. Talvez os Presidentes das AG dos PO Temáticos devam obter a
confirmação da sua presença por parte da nova Comissão Interministerial do
Portugal 2020 que resulta da nova composição governativa. Mas a grande maioria
dos personagens tenderão a manter-se. Todavia, sentia-se no ar a perceção de
que o patrão vai mudar. E tal como já aqui anteriormente o sublinhei, a
capacidade de intervenção política futura numa máquina de programação tão densa
e complexa como o Portugal 2020, tão armadilhada em termos de controlo pela
Comissão Europeia, é bastante mais reduzida do que os novos ministros ontem
empossados, certamente os menos experientes, podem pensar. E, por isso, no
ambiente de ontem, a bota não batia com a perdigota. Uma máquina com aquela
inércia deveria expressar uma maior estabilidade. Mas sentia-se no ar a
interrogação da mudança. A sociologia do poder tem destas coisas. Sempre são
quatros anos de governação, com todo o rol de influências, que se acabam. Todo
o novo poder gera os seus cromos e como eu os reconheço, dos mais jovenzinhos
aos mais acirrados. É natural que estejam inquietos, isso é próprio de lugares
de desgaste rápido, ainda por cima sem proteção fiscal. Talvez fossem esses
cromos a ditar o ambiente.
Já em pleno Alfa e a contas com a intermitência do Wi-Fi,
percebi que para além das tomadas de poder hostis, há também no nosso léxico
político as tomadas de posse hostis. Aquela rigidez corporal de Cavaco e
sobretudo o seu fácies já não enganam ninguém. Entre os sorrisinhos amarelos
que a personagem vai distribuindo e o ar carregado não é difícil perceber que o
homem vai acabar por deixar Belém com a garganta entalada e derrotado,
profundamente derrotado. Talvez opte por tropelias mais cobardes, como serão os
eventuais vetos de gaveta. Mas como dizia ontem Pacheco Pereira o verdadeiro
funeral (salvo seja e que usufrua por muitos anos da Praia da Coelha)
antecipado da personagem foi feito pelo candidato presidencial da direita
Marcelo Rebelo de Sousa que se esforça desesperadamente para deslocar da imagem
da antiga governação. Costa recuperou entretanto a calma olímpica. Não sei se
Catarina Martins terá dado saltos na cadeira ao ouvir a tomada de posse hostil,
mas a sua perícia em artes performativas deve ter chegado para um semblante
neutral.
Mais do que o programa, mais do que as palavras será a
dinâmica de governação que irá dizer de sua justiça. A legitimidade
constitucional existe, apesar de toda a inventiva jurídico-constitucional da
direita. A legitimidade política vai ser conquistada se houver unhas para isso,
se elas não tiverem sido roídas. E estou em crer que vamos ter surpresas
governativas. Já agora num contexto em que para mim a personagem Sócrates se
afunda cada vez mais, apesar das patéticas romagens em torno da personalidade,
Costa teve imensa coragem em colocar no Governo gente competente, que governou
com Sócrates, mas que não se deixou colar à imagem governativa do personagem.
Uma jogada corajosa e de mestre. Com isso desmontou à partida muito fogo-de-artifício.
Sem comentários:
Enviar um comentário