sábado, 7 de novembro de 2015

NO LABIRINTO DA FORMAÇÃO DE UM NOVO GOVERNO




(Na modorra de uma tarde primaveril de Outono)

Na modorra de uma tarde primaveril de Outono, pelas bandas de Nelas e no meio dos vinhedos do Dão, tempo para algumas reflexões em torno do labirinto da formação de um governo com apoio parlamentar da maioria de esquerda formada no Parlamento.

Já aqui elaborei sobre as diferenças de um acordo de governação não poder ser entendido como uma acordo, síntese, ou osmose entre programas de forças políticas. Por isso não partilho o catastrofismo obcecado dos que teimam em prognosticar que o PS ficará refém do bloco PCD e Bloco de Esquerda. Ninguém ignora as dificuldades de transformar os acordos entre o PS e as restantes forças de esquerda com representação parlamentar num programa coerente de governação, com um mínimo de estabilidade no tempo, não necessariamente para toda uma legislatura. Mas para mim as dificuldades são de outra natureza. Trata-se de transformar os referidos acordos num programa de governo não num contexto qualquer. A relevância do contexto é dada pelos constrangimentos em que o programa de governo vai ter de navegar, inserindo nesses constrangimentos essencialmente de natureza orçamental as apostas de combate à austeridade e ao empobrecimento em torno das quais é construído o consenso mínimo. O efeito surpresa em Bruxelas pode ser um capital de esperança, sobretudo se o primeiro orçamento conseguir ser encaixado nas baias dos apertados critérios europeus, apertados para uns e flexíveis para outros, já se conhece a prática da casa.

Seria crucial demonstrar que a consolidação orçamental é possível sem os tiques e extremos da governação anterior. Mas não é líquido que isso seja possível. Tenho para mim que para que tal seja possível vai ser necessária uma grande flexibilidade e criatividade de escolhas públicas que pode não estar ainda disponível nesta aprendizagem das forças de esquerda. A esquerda que passa muito tempo fora das preocupações da governação tende a não ser pródiga em elasticidade de rins para as escolhas públicas mais adequadas sem entregar a alma ao diabo. Tenho para mim que o dia-a-dia da governação e da concertação parlamentar que a vai tornar possível vai estar cheia dessas necessidades de flexibilidade.

Entretanto, algum meio empresarial começa a mostrar as suas garras. E não será de menosprezar que as alianças com a anterior governação, as que por exemplo estiveram bem presentes no diferimento para depois das eleições de alguns anúncios de despedimento, mostrem cada vez essas garras e joguem na degradação da situação económica global.

Sabemos que a bondade da estratégia do programa do PS, agora combinada com os resultados da negociação a quatro, é fortemente dependente da recuperação económica. Mas penso que os responsáveis empresariais estão a exagerar o peso da estabilidade e indeterminação internas na viabilização das suas decisões de investimento. Senão vejamos. Para o universo empresarial que opera no universo dos transacionáveis, penso que os empresários portugueses deveriam estar mais preocupados com os riscos da deflação europeia e de estagnação secular nas economias avançadas, já que o governo de esquerda não vai agravar os problemas estruturais do euro em matéria de competitividade. Por sua vez, para o universo empresarial orientado para o mercado interno, o programa de esquerda vai estar pejado de estímulos ao rendimento, que esse mercado pode captar.

Mas a resposta da atividade económica ao início da governação de um programa de esquerda vai marcar indelevelmente o êxito futuro dessa programação, sobretudo pelo clima de distensão ou de constrangimento que vai instalar-se.

E aqui o PS vai ser penalizado por não ter iniciado mais cedo, melhor não ter mesmo iniciado, o debate sobre qual é o lugar que a empresa e a sua governação deverão assumir na renovação da social-democracia e do socialismo democrático. E nesta aproximação – negociação com o PCP e o Bloco de Esquerda, forças ainda menos propensas a abrir e a reconhecer-se nesse debate, certamente que as condições adequadas para o fazer escassearão. E em meu entender a matéria da empresa é crucial para que os programas social-democratas tenham mais a dizer sobre o tema da competitividade. Nesse debate há matérias cruciais como a da boa governação das empresas (John Kay) e da posição dos CEO em relação aos stakeholders das empresas, em que os trabalhadores devem ser considerados. Grande parte das forças da desigualdade nas economias de hoje passam por esta matéria, vejam-se por exemplo os trabalhos relevantes de William Lazonick que tem estudado comportamentos de corporate governance baseados em decisões de CEO em seu próprio proveito. A política de remunerações de quadros e trabalhadores é outra das matérias que deve inscrever-se nesse debate. O mesmo se diga em relação ao papel da empresa na criação de melhores condições de compatibilização do papel profissional da mulher e da proteção social da fertilidade. E também em relação aos mecanismos de representação dos trabalhadores nos modelos de gestão das empresas. Este é assunto sobre o qual o meu colega Guilherme Costa me chamou a atenção há já algum tempo e que merece da minha parte e deste blogue atenção futura.

Matérias não faltam para o debate necessário a que uma governação de esquerda tenha a mais dizer sobre a competitividade do que estimular o consumo através de uma política de rendimentos. É que estimular o consumo pode não projetar consequências positivas sobre a produção nacional ou limitar-se a estimular empresas sem grandes margens de progressão da produtividade.

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