quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O ROUPÃO DA BEYONCÉ




(Reflexões algo estranhas em torno da minha participação de hoje nas VI Jornadas Empresariais das Fundações AEP e de Serralves)

Pouco tempo para blogar entre viagens de trabalho pela Região e a participação nas VI Jornadas Empresariais das Fundações AEP e de Serralves, com a intervenção já anunciada sobre o tema “Megatendências e mudanças socioeconómicas”.

A missão está cumprida e correu bem. A abordagem por mim proposta não é muito comum, sobretudo porque conjuga investigação sobre a encruzilhada da globalização, os meandros da revolução tecnológica e o tema da estagnação secular em que as economias avançadas estão mergulhadas.

O Professor Viriato Soromenho Marques assegurou a palestra de abertura com uma abordagem excelente sobre os quatro erros da construção do euro, demonstrando que não foi por falta de avisos de gente avisada e sabedora que os erros se transformaram numa união económica e monetária invertida, isto é, com transferências dos pobres para os ricos e não como seria de esperar dos ricos para os pobres, comprometendo assim a existência de mecanismos de salvaguarda do combate aos choques assimétricos.

Nas intervenções do meu painel ficou-me na memória a apresentação do Dr. Miguel Seixas do Modelo Continente Hipermercados S.A. sobre as implicações na gestão da evolução dos mercados e dos consumidores. Numa referência curiosa ao hiper-realismo que grassa na promoção de novas imagens de consumo, o Dr. Miguel Seixas fixou-se numa imagem de divulgação de um novo trabalho da Beyoncé que a apresenta em roupão branco numa varanda despojada de um prédio, com céu cinzento a enquadrar, contrariando assim toda a tradição anteriormente assumida de imagens aprazíveis de divulgação de um dado produto.

Pelo dia adentro dei comigo a pensar na metáfora do hiper-realismo do roupão da Beyoncé como instrumento de adaptação à situação política atual e ao intermezzo cavaquiano que deve estar a colocar o PS à beira de um ataque de nervos. Logo de manhã, ouvi a Helena Garrido na Antena 1 a discorrer sobre como o PS vai acomodar financeiramente o seu programa reconstruído com o acordo parlamentar à esquerda. E a conclusão não podia ser mais afirmativa: recurso ao endividamento. Ao longo do dia não ouvi nenhuma tomada de posição de Costa ou de representantes do PS desmontando essa dedução, que vale o que vale, mas que pode fazer o seu caminho sem obstrução pela comunicação social.

Se Cavaco abdicar do último ataque ao PS que talvez no seu consciente mais profundo desejasse fazer, deixando a batata quente ao seu sucessor ou exigindo a Costa coisas que ele não conseguirá retirar dos seus parceiros de acordo, vamos precisar de híper-realismo para conduzir este processo.

O choque de procura que a devolução de rendimento aos portugueses irá viabilizar a curto prazo, sobretudo se esses mesmos portugueses não pouparem por conta dos aumentos de impostos que antecipem a médio prazo, tem todas as condições para gerar em 2016 um complemento de crescimento económico. Mas esse incremento de crescimento induzido pelo choque de procura só será virtuoso se funcionar como transição e válvula de segurança para que a economia vá fazendo a sua transformação produtiva e vá assegurando uma menor vulnerabilidade externa, mesmo dentro dos constrangimentos impostos pelo euro. É por isso necessário que o investimento privado não se retraia.

Para isso entre outras coisas será necessário valorizar o espaço da concertação social, cuja degradação por parte da maioria cessante o PS tanto combateu e com razão. Não entendo como é que o PS permite que a CGTP ocupe o espaço da desvalorização do espaço dessa concertação social, com o argumento de que neste momento o parlamento é o centro da ação política. O PS tem de ser mais convincente na defesa dessa concertação. Não para dar razão a uma CAP que lá fez o seu favor institucional à maioria cessante, sendo aliás a única confederação empresarial que reclamou eleições antecipadas já e em força. Não conheço outro período de governação em que a concertação social fosse tão desvalorizada como o correspondente ao período da maioria cessante. Seguir o mesmo caminho não me parece um bom rumo.

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