João Calvão da Silva poderá vir a só ser ministro da Administração Interna por uns breves dias. Mas, vistas a qualidade e a versatilidade da sua fabulástica prestação de ontem em Albufeira, quase apetece rogar a quem de direito pela sua permanência no posto. Vejamos alguns excertos avulsos e bem demonstrativos da rara combinação de atributos que tão excecionalmente se encontram reunidos num homem só:
· Em modo de doutrinador teológico: “O nível autárquico foi suficiente de acordo com as medidas tomadas. E só não foi suficiente, aqui em Albufeira, porque a força da natureza, na fúria demoníaca... – embora os ingleses digam que é um ato de Deus, um act of God, mas a gente tem que traduzir isto de outra maneira.”
· Em modo fervorosamente crente: “Era um homem que já tinha vindo do estrangeiro, que tinha 80 anos, fica a sua mulher, Fátima. Ele, que era um homem de apelido Viana, entregou-se a Deus e Deus com certeza que lhe reserva um lugar adequado.”
· Em modo de pregador resignado: “Eu sou o primeiro a dizer: a fúria da Natureza não foi nossa amiga. Deus nem sempre é amigo, também acha que de vez em quando nos dá uns períodos de provação.”
· Em modo de executivo moralista: “A Natureza de vez em quando tem uma fúria. Nós às vezes também nos zangamos uns com os outros. Não valia a pena, a Natureza também devia entender que não devia ter essas fúrias, mas às vezes acontece e agora nós temos que nos preparar para elas. (...) Mãos à obra, olhe, a expressão é feliz.”
· Em modo de político à moda antiga: “Sabe que, nesta vida, o que conta é uma resposta imediata. Não é o governo de horizonte pequeno, grande ou grande. O que conta é o dia de ontem e o dia de hoje. E esta gente precisa de ajuda imediata. E essa ajuda imediata obviamente que é uma palavra de solidariedade humana, de presença do Governo, independentemente do horizonte temporal do Governo. Para mim, estou aqui hoje mesmo que hoje à noite já não fosse ministro.”
· Em modo de mestre de obras a tender para engenheiro do ambiente: “Mas se não for assim, a Natureza encarrega-se de dizer que o caminho direto é este. Leva tudo o que encontra à frente porque, do alto cá para baixo, o caminho é em linha reta. Se nós não soubemos começar lá em cima a desviá-las, canalizando-as para o mar, é mais difícil.”
· Em modo angariador de seguros: “Cada um tem um pequeno pé-de-meia. Em vez de o gastar a mais, aqui ou além, paga um prémio de seguro. Não imagina a quantidade de pessoas que me falaram ‘já acionei o seguro’ – isto é uma lição de vida para todos nós. A quem não tem seguro, aprende, em primeiro lugar, que é bom reservar um bocadinho para no futuro ter seguro.”
· Em modo de sociólogo responsável e pelo diabo amassado: “Olhe, o senhor está a falar com uma pessoa que nasceu em Trás-os-Montes, que sabe o que significa ser pobre e vir do pobre e tentar ser alguém. A mobilidade social funciona para todos e todos temos que ter a nossa responsabilidade, também, no sentido de dizer: ‘eu tenho o meu negocio, vou fazer o meu seguro para que, se o infortúnio bater à porta, tenha valido a pena pagar o prémio’. Olhe, bem haja, muito obrigado pelas suas palavras.”
Uma figura ministerial que este Portugal sem rumo não mais deveria permitir-se esquecer!
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