sexta-feira, 6 de novembro de 2015

AUGE E OCASO DE UM MODELO




(Histórias de vida de abundância e declínio)

Fascinam-me os períodos de transição em que uma época dá progressivamente lugar a outra com o que isso implica de destruição lenta de um dado universo e por vezes a ascensão arrogante de um outro, com todos os dramas pessoais e familiares que isso acarreta, irrevogavelmente. É o caso por exemplo dos tempos da última série da Downton Abbey na Fox Life em que os anos de 1925 e 1926 retratam precisamente essa transição.

Mas não é para transformar este blogue em crítica de televisão que este post hoje aparece.

Vou falar-vos de uma personalidade, do seu auge e declínio e sobretudo sobre o que isso representa do ponto de vista do modelo que ela representou. Javier Mariscal, um ano mais novo do que eu, talvez não vos diga rigorosamente nada. Mas se o associar ao COBI, logo-mascota dos Jogos Olímpicos de Barcelona talvez já vos diga alguma coisa de relevante.

Pois. Javier Mariscal, nascido em Valência, é o designer pai da referida mascota, afirmado por isso num período de notoriedade decisiva da cidade de Barcelona e com isso um pujante montante de investimento público e de recursos financeiros alocados ao projeto de Cidade que também era então um projeto de projeção de país, uma tentativa de integração da Catalunha no processo de afirmação e internacionalização da própria Espanha. Mariscal construiu a partir dessa notoriedade um dos mais importantes escritórios de design europeu e até mundial, empregando cerca de 40 pessoas. Hoje, com as transformações profundas introduzidas pela globalização no design mundial, valenciano, mas profundamente crítico e contrário aos nacionalismos regionalistas da Cataluna e de uma eventual Comunidade Valenciana, Mariscal é hoje um homem arruinado e segundo as suas próprias palavras transformado em “mantero” (vendedor ambulante, símbolo da precariedade na sociedade espanhola e reduto de muitos dos imigrantes fortemente atingidos pela crise económica do país vizinho).

Numa das suas últimas entrevistas ao El País (4 de novembro de 2015), Mariscal tem uma expressão que vale a pena ouvir em castelhano, pois soa de outra maneira do que se a traduzíssemos apressadamente: “Cuando el ego te crece y te crees la bomba, las cosas te ponem en tu sitio.” A sensação de resignação que esta expressão transpira ilustra para mim, inapelável e rigorosamente, o sentido irreversível do declínio numa dada transição: “No meu caso não soube reagir. Tinha um transatlântico e não é o mesmo que travar uma bicicleta. Não soube gerir bem e arruinei-me muito. Formávamos um grupo muito agradável que era como uma família. Romper e ter que dizer ´vamos para a rua´ causou-me uma dor tremenda. O estúdio encanta-me. Criei um jardim. Poderia ser jardineiro. Fui taxista. Lavei pratos”.

Vale a pena ler a sua entrevista à revista literária Gurb (ver aqui).

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