(Histórias
de vida de abundância e declínio)
Fascinam-me os períodos de transição em que uma época dá
progressivamente lugar a outra com o que isso implica de destruição lenta de um
dado universo e por vezes a ascensão arrogante de um outro, com todos os dramas
pessoais e familiares que isso acarreta, irrevogavelmente. É o caso por exemplo
dos tempos da última série da Downton Abbey na Fox Life em que os anos de 1925
e 1926 retratam precisamente essa transição.
Mas não é para transformar este blogue em crítica de
televisão que este post hoje aparece.
Vou falar-vos de uma personalidade, do seu auge e declínio
e sobretudo sobre o que isso representa do ponto de vista do modelo que ela representou.
Javier Mariscal, um ano mais novo do que eu, talvez não vos diga rigorosamente
nada. Mas se o associar ao COBI, logo-mascota dos Jogos Olímpicos de Barcelona
talvez já vos diga alguma coisa de relevante.
Pois. Javier Mariscal, nascido em Valência, é o designer pai da referida mascota,
afirmado por isso num período de notoriedade decisiva da cidade de Barcelona e
com isso um pujante montante de investimento público e de recursos financeiros
alocados ao projeto de Cidade que também era então um projeto de projeção de país,
uma tentativa de integração da Catalunha no processo de afirmação e
internacionalização da própria Espanha. Mariscal construiu a partir dessa notoriedade
um dos mais importantes escritórios de design europeu e até mundial, empregando
cerca de 40 pessoas. Hoje, com as transformações profundas introduzidas pela
globalização no design mundial, valenciano, mas profundamente crítico e contrário
aos nacionalismos regionalistas da Cataluna e de uma eventual Comunidade Valenciana,
Mariscal é hoje um homem arruinado e segundo as suas próprias palavras
transformado em “mantero” (vendedor ambulante,
símbolo da precariedade na sociedade espanhola e reduto de muitos dos imigrantes
fortemente atingidos pela crise económica do país vizinho).
Numa das suas últimas entrevistas ao El País (4 de novembro de 2015), Mariscal tem uma expressão que vale a pena ouvir em castelhano, pois
soa de outra maneira do que se a traduzíssemos apressadamente: “Cuando el ego te crece y te crees la bomba, las cosas te
ponem en tu sitio.” A sensação de resignação que esta expressão
transpira ilustra para mim, inapelável e rigorosamente, o sentido irreversível
do declínio numa dada transição: “No meu caso não
soube reagir. Tinha um transatlântico e não é o mesmo que travar uma bicicleta.
Não soube gerir bem e arruinei-me muito. Formávamos um grupo muito agradável
que era como uma família. Romper e ter que dizer ´vamos para a rua´ causou-me
uma dor tremenda. O estúdio encanta-me. Criei um jardim. Poderia ser jardineiro.
Fui taxista. Lavei pratos”.
Vale a pena ler a sua entrevista à revista literária Gurb
(ver aqui).
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