sexta-feira, 6 de novembro de 2015

QUE GOVERNO DE ESQUERDA?



Contagem decrescente para sabermos em definitivo que governo vamos ter nos tempos mais próximos e assente em que tipo de pressupostos, fundamentos e medidas. E já começam a vir à tona alguns elementos mais concretos sobre a hipótese de um governo do PS apoiado por toda a esquerda – como os que Pedro Santos Guerreiro e João Silvestre trabalharam para o “Expresso Diário” e que acima reproduzo em versão simplificada.

Antes de nos voltarmos a embrenhar nos meandros da política à portuguesa, que vão aliás ganhar nova aceleração já a partir de hoje, uma brevíssima reflexão que me foi suscitada pela forma – bastante simplista e até pobre, diga-se de passagem – como a questão de um tal governo à esquerda era apresentada pelo editor de hoje do dito jornal online: “em caso de acordo, tudo indica que está em marcha o plano de atirar dinheiro para o consumo, à boa maneira de Keynes e Mário Centeno. Salário mínimo mais alto, diminuição da TSU e pensões a subir podem trazer crescimento económico.”

Mas aqueles dois jornalistas económicos também de algum modo, menos canhestro embora, apontavam na mesma direção: “Parece provocação mas é macroeconomia. O ‘cabaz’ de medidas que estão a ser negociadas à esquerda favorecem aumentos no rendimento de quem ganha menos dinheiro. Mas isso, além de uma função social, tem um efeito económico estudado e pretendido: que as pessoas gastem mais.” E, coincidência das coincidências, o editorial de Helena Garrido no “Jornal de Negócios” de ontem insistia na mesma tecla sob o grande chapéu da pergunta “A política certa é dar mais poder de compra?”.


E qual é o meu ponto, então? Precisamente o que de seguida organizo numa tripla de breves tópicos, deixando aqui provisoriamente de lado a igualmente decisiva questão da relação de forças interpartidária e das respetivas dialéticas cruzadas:

(i) tenho um parti-pris claro em favor de uma alternativa política que literalmente afaste do poder a direita autoritária, ortodoxa, incompetente e europeísticamente perigosa por obediente e submissa que vem sendo encabeçada por Passos e Portas;

(ii) sinto um manifesto desconforto em relação a soluções politicas estritamente comandadas pela (ou submetidas à) economia, máxime quando esta encerra uma visão predominantemente mercantil, distorcidamente liberal, arrogantemente tecnocrática e ingenuamente assente numa crença quase absoluta nas virtudes da modelização;

(iii) entendo, e isso é coisa totalmente diversa em termos de interação entre economia e política, que uma futura nova política económica portuguesa terá de ser guiada pelas duas imperiosas e paralelas necessidades de forjar todo o crescimento alcançável por estimulação do investimento e das exportações, por um lado, e de repor alguns equilíbrios sociais e geracionais fundamentais que foram atingidos pela cegueira austeritária, por outro lado, tudo num quadro que não afaste a incorporação complementar de um cumprimento racional dos critérios macroeconómicos que nos são impostos pelos compromissos vigentes e que assim garanta a Portugal um inquestionável peso específico dentro de uma União Europeia e de uma Zona Euro que vão certamente ser alvo de fortes convulsões internas e onde se vai jogar significativamente o que de essencial nos virá a acontecer.

A responsabilidade de António Costa, se vier mesmo a ser primeiro-ministro, é de larguíssimo espetro. Porque, a meu ver, o que se lhe exige não é apenas, nem principalmente, redistribuir rendimento e estimular consumo. O que dele mais se espera – sem o que falhará – é do domínio do restabelecimento da confiança, do reforço institucional e da firmeza negocial. Muito engenho político e muito para lá de calibragens eficazes nos sistemas de equações, portanto e concluindo...

 (Rodrigo Matos, http://expresso.sapo.pt)

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