(Tudo será
diferente a partir de agora mas a margem de manobra para ser efetivamente diferente
poderá ser pequena ou grande se este governo nos surpreender)
A indigitação ou mais precisamente a “indicação”
(preciosismo de Cavaco que se vai agarrando ao que pode) de António Costa para
a formação de um novo governo com apoio parlamentar à esquerda e a rápida,
ainda que não oficial, confirmação do novo elenco governativo coloca a cena política
portuguesa num patamar que poucos ousariam prever com o lançamento do último
ato eleitoral. A maioria social ou sociológica de esquerda saída das eleições
de 4 de outubro é simultaneamente o produto de uma austeridade cujos fins foram
pervertidos pela coligação PSD-CDS/PP sob os auspícios da Troika e desproporcionada
face à recuperação do acesso aos mercados de financiamento e de alguma revelação
com que as forças de esquerda se confrontaram. Revelação muito protagonizada, não
por qualquer entidade divina, mas pela intuição e teimosia de António Costa que
soube transformar uma derrota do Partido Socialista numa maioria à esquerda. Certamente
que essa revelação não seria intuída e trabalhada pelas três forças políticas
se não tivesse ficado claro para uma maioria de eleitores que o fundamental era
acabar com a experiência da direita, não interessando o caminho para o conseguir.
O eleitorado do PCP e do Bloco de Esquerda não compreenderia se a hipótese de
um governo minoritário do PS embora com apoio parlamentar à esquerda fosse
considerada um mal absoluto e isso inviabilizasse o acabar com a experiência de
governação do PSD e do CDS. Como ouvi a muitos militantes históricos do PCP, a
ideia de um mal menor passou e bem sob a convicção de que a direita teria o
acesso ao poder inviabilizado.
Falhou entretanto o alarmismo dos que viam na formação de
um governo com apoio parlamentar à esquerda uma catástrofe. Algumas manifestações
incipientes que se formaram timidamente na praça pública como denúncia da
pretensa ilegitimidade democrática da solução que estava em formação laboriosa
comandada pela habilidade negocial de Costa tinham um ar de patético que fica
para mim como uma das manifestações mais pungentes de quem não entendeu que a
formação de uma nova relação de forças estava em curso.
Creio que os mais lúcidos, e acho que este blogue tem
dado mostras dessa lucidez, compreenderam que, simultaneamente, era tempo de
celebrar a profunda reviravolta nas condições que antecederão qualquer ato eleitoral
futuro e de reconhecer que o tempo de celebrações iria ser manifestamente curto.
Sim, porque agora vai ser mesmo a doer e há que encarar com extremo realismo o
exercício quotidiano da governação futura, no qual a capacidade negocial e o
poder de decisão de António Costa irão ser colocados duramente à prova. As
escolhas públicas que devem corporizar o cumprimento dos acordos à esquerda, e
não só escolhas com impacto orçamental, mas também escolhas de produção
legislativa, a negociação permanente com as autoridades comunitárias para fazer
passar a bondade da solução que terá pelo menos de não penalizar o crescimento
(embora dele precise avidamente) e não despertar os demónios dos mercados e a
consistência da atividade governativa vão ser desafios a doer e não vale a pena
escamoteá-los. E não podemos ignorar o estilo de oposição que a antiga coligação
irá praticar jogando tudo num tempo de vida curto para esta experiência de
governação.
Face ao que se conhece não oficialmente da composição do
elenco governativo, não poderá dizer-se que o PS não pudesse encontrar um
governo ainda mais robusto. Sim, talvez fosse possível. Mas que se trata de um
governo com profunda robustez política não tenho a menor dúvida, combinando
gente de grande experiência com gente mais jovem e inexperiente mas que pode
trazer á ação governativa uma nova energia sem perder consistência. Pressente-se
que António Costa afastou o fantasma Sócrates retendo na composição do seu governo
ministros que tiveram experiência de governação com Sócrates mas que com ele e
respetivo estilo de governação nunca foram confundidos.
Como dizia na introdução, a margem que se abre a fazer
diferente poderá ser pequena se as coisas correrem mal no plano dos desafios
atrás mencionados. Mas poderá ser grande se a governação nos conseguir
surpreender.
Uma palavra de encorajamento final pela presença no novo
governo de pessoas que me são próximas, Augusto Santos Silva e João Pedro Matos
Fernandes. Um abraço e que a coragem e a persistência os não abandonem.
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