quarta-feira, 25 de novembro de 2015

AGORA É QUE VAI SER A DOER




(Tudo será diferente a partir de agora mas a margem de manobra para ser efetivamente diferente poderá ser pequena ou grande se este governo nos surpreender)

A indigitação ou mais precisamente a “indicação” (preciosismo de Cavaco que se vai agarrando ao que pode) de António Costa para a formação de um novo governo com apoio parlamentar à esquerda e a rápida, ainda que não oficial, confirmação do novo elenco governativo coloca a cena política portuguesa num patamar que poucos ousariam prever com o lançamento do último ato eleitoral. A maioria social ou sociológica de esquerda saída das eleições de 4 de outubro é simultaneamente o produto de uma austeridade cujos fins foram pervertidos pela coligação PSD-CDS/PP sob os auspícios da Troika e desproporcionada face à recuperação do acesso aos mercados de financiamento e de alguma revelação com que as forças de esquerda se confrontaram. Revelação muito protagonizada, não por qualquer entidade divina, mas pela intuição e teimosia de António Costa que soube transformar uma derrota do Partido Socialista numa maioria à esquerda. Certamente que essa revelação não seria intuída e trabalhada pelas três forças políticas se não tivesse ficado claro para uma maioria de eleitores que o fundamental era acabar com a experiência da direita, não interessando o caminho para o conseguir. O eleitorado do PCP e do Bloco de Esquerda não compreenderia se a hipótese de um governo minoritário do PS embora com apoio parlamentar à esquerda fosse considerada um mal absoluto e isso inviabilizasse o acabar com a experiência de governação do PSD e do CDS. Como ouvi a muitos militantes históricos do PCP, a ideia de um mal menor passou e bem sob a convicção de que a direita teria o acesso ao poder inviabilizado. 

Falhou entretanto o alarmismo dos que viam na formação de um governo com apoio parlamentar à esquerda uma catástrofe. Algumas manifestações incipientes que se formaram timidamente na praça pública como denúncia da pretensa ilegitimidade democrática da solução que estava em formação laboriosa comandada pela habilidade negocial de Costa tinham um ar de patético que fica para mim como uma das manifestações mais pungentes de quem não entendeu que a formação de uma nova relação de forças estava em curso.

Creio que os mais lúcidos, e acho que este blogue tem dado mostras dessa lucidez, compreenderam que, simultaneamente, era tempo de celebrar a profunda reviravolta nas condições que antecederão qualquer ato eleitoral futuro e de reconhecer que o tempo de celebrações iria ser manifestamente curto. Sim, porque agora vai ser mesmo a doer e há que encarar com extremo realismo o exercício quotidiano da governação futura, no qual a capacidade negocial e o poder de decisão de António Costa irão ser colocados duramente à prova. As escolhas públicas que devem corporizar o cumprimento dos acordos à esquerda, e não só escolhas com impacto orçamental, mas também escolhas de produção legislativa, a negociação permanente com as autoridades comunitárias para fazer passar a bondade da solução que terá pelo menos de não penalizar o crescimento (embora dele precise avidamente) e não despertar os demónios dos mercados e a consistência da atividade governativa vão ser desafios a doer e não vale a pena escamoteá-los. E não podemos ignorar o estilo de oposição que a antiga coligação irá praticar jogando tudo num tempo de vida curto para esta experiência de governação.

Face ao que se conhece não oficialmente da composição do elenco governativo, não poderá dizer-se que o PS não pudesse encontrar um governo ainda mais robusto. Sim, talvez fosse possível. Mas que se trata de um governo com profunda robustez política não tenho a menor dúvida, combinando gente de grande experiência com gente mais jovem e inexperiente mas que pode trazer á ação governativa uma nova energia sem perder consistência. Pressente-se que António Costa afastou o fantasma Sócrates retendo na composição do seu governo ministros que tiveram experiência de governação com Sócrates mas que com ele e respetivo estilo de governação nunca foram confundidos.

Como dizia na introdução, a margem que se abre a fazer diferente poderá ser pequena se as coisas correrem mal no plano dos desafios atrás mencionados. Mas poderá ser grande se a governação nos conseguir surpreender.

Uma palavra de encorajamento final pela presença no novo governo de pessoas que me são próximas, Augusto Santos Silva e João Pedro Matos Fernandes. Um abraço e que a coragem e a persistência os não abandonem.

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