terça-feira, 10 de novembro de 2015

E AGORA, ANTÓNIO?




(Reflexões avulso à espera de Cavaco)

A determinação de António Costa e o ganho de sensibilidade do PCP e Bloco de Esquerda às condições concretas que quatro anos de ajustamento financeiro com austeridade desproporcionada face aos resultados conseguidos produziram na sociedade portuguesa tornaram possível o derrube do XX Governo Constitucional e a possibilidade de um governo alternativo com apoio parlamentar da maioria de esquerda.

Não me atrevo a prognosticar a posição de Cavaco, chegado ao fim de um penoso (para nós) mandato, com o espectro político português nos antípodas do consenso por ele solicitado. Como seria de esperar, os acordos parlamentares conseguidos não são à prova de bala e de turbulências fortes. Quem acusa Costa de ambição de poder certamente que não imagina o difícil trajeto quotidiano em que um eventual governo minoritário do PS irá percorrer ou fá-lo por pura chicana política. Apertado entre os equilíbrios à esquerda de difícil acomodação no quadro da consolidação orçamental, a retórica desbragada e eleitoral que a direita vai assumir implacavelmente a partir de agora, destruído que foi o seu projeto de poder, a vigilância dos diretórios europeus e as garras eventuais de mercados e credores internacionais, tiro o chapéu à coragem política de Costa sobretudo depois de uma derrota eleitoral pessoal. O argumento da tradição democrática tão invocado pela direita que disseminou o seu discurso por tudo o que é apoiante ou eleitor do PAF é patético quando confrontado com a legitimidade constitucional da solução que começou hoje a emergir. Mas nestas condições o meu realismo político também não se compadece com o ressurgimento afetivo de uma unidade de esquerda. Há simplesmente um acordo de apoio parlamentar a um governo minoritário do PS, quebrou-se de facto um tabu importante do xadrez da governação em Portugal e o debate à esquerda transformou-se por absoluto. Daí a pensarmos que estamos perante uma correção da história vai uma grande distância. Mas o PCP e o Bloco de Esquerda não serão mais os mesmos, quaisquer que sejam os resultados do acordo parlamentar em termos de prolongamento da ação governativa do eventual executivo do PS. Como também qualquer luta eleitoral não será a mesma a partir da confirmação da maioria de esquerda parlamentar.

Cavaco poderá tentar ainda afinamentos e clarificações dos acordos hoje assinados do ponto de vista da estabilidade da governação, mas a sua margem de manobra é reduzida e qualquer posição de obstrução à dinâmica parlamentar criada acirraria perigosamente os ânimos.

Associo uma futura governação do PS com a utilização do que poderia chamar o bisturi das escolhas públicas e uma grande capacidade de interlocução permanente com as forças políticas agora subscritoras destes acordos. Em termos de puro calculismo político, o PCP e o Bloco de Esquerda também certamente não ignoram que a ocorrência de eleições antecipadas provocadas pela sua intransigência os colocaria numa situação de fortíssima vulnerabilidade, superior à do PS.

A futura composição do governo e sobretudo a sua prática efetiva de governação, em que a utilização do espaço da concertação social será crucial, ditará se temos gente adestrada para manejar tais bisturis. A capacidade de interlocução de Costa poderá fazer o resto à esquerda. Mário Centeno terá aqui uma prova de fogo e não deixará de ser curioso como vai evoluir o seu relacionamento com o Governador do Banco de Portugal. E oxalá a presença de Paulo Trigo Pereira no Parlamento introduza na bancada do PS a sua sabedoria.

Tempos exigentes e excitantes vêm por aí, que estarão muito para além de uma lágrima revivalista pelo regresso da unidade de esquerda. Precisamos de tudo menos de revivalismo balofo. As gerações mais novas de esquerda não o perdoariam, até porque não o compreenderiam.

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