terça-feira, 3 de novembro de 2015

UM BOM EXEMPLO DE MAU INVESTIMENTO PÚBLICO




(Ainda e sempre a nossa controversa relação com as infraestruturas)

A recorrente entrada em cena de inundações devastadoras como as observadas no passado fim-de-semana no Algarve, e mais particularmente em Albufeira, começa precisamente por nos impressionar tamanha é essa recorrência. Imagens similares têm sido coligidas ao longo do tempo do norte a sul do país, incluindo a própria capital. Não se trata, portanto, de fenómeno novo e territorialmente circunscrito.

Estas ocorrências têm, porém, significados distintos e vale a pena refletir um pouco sobre essas diferenças.

Há casos evidentes em que a força desproporcionada dos elementos naturais (chuva e vento particularmente) provoca danos avultados sobretudo porque choca com o anquilosamento e não adaptação de infraestruturas existentes, projetadas para cargas humanas e naturais incapazes de acomodar a ocupação humana entretanto atingida e degradadas ao ponto de romperem com a referida desproporção dos elementos naturais em rebelião. Neste caso, os erros de planeamento e a incúria do não acautelamento da renovação e conservação de infraestruturas são os principais responsáveis. A margem de manobra para a sua superação já não é total, já que os erros de ordenamento são frequentemente irreversíveis, pois não é fácil reverter movimentos de população em democracia. Há condições para superação parcial, sobretudo se a renovação e conservação de infraestruturas entrar decisivamente na avaliação plurianual dos investimentos em infraestruturas mais vulneráveis à rebelião dos elementos naturais. Suster a degradação de infraestruturas aumenta a sua resistência mesmo que os erros de ordenamento sejam em parte irreversíveis. O Algarve estará muito provavelmente nesta fase. O ciclo de infraestruturas que deu origem ao ciclo de afirmação turística estará a enfrentar fortes necessidades de renovação e conservação de redes.

Há outros casos em que a matriz do problema da vulnerabilidade aos desmandos naturais é claramente a dos erros de ordenamento. Os poderes públicos não foram suficientemente convincentes, antes foram complacentes e cúmplices dos desmandos de investimento privado, não colocando entraves à desregrada ocupação do território e à desmedida impermeabilização do solo. A reversibilidade destas situações é possível, sobretudo se for produzida evidência de que a lei não foi respeitada. Mas trata-se de situações que tenderão a colocar a nu as cumplicidades de entidades públicas locais e setoriais, adivinhando-se nessas situações um longo imbróglio jurídico e uma forte incomodidade política, embora muitos dos protagonistas tenham já saído de cena.

Mas há uma outra tipologia de situações que as recentes inundações e devastação em Albufeira exemplificam claramente. Há vulnerabilidades aos desmandos dos elementos naturais (demoníacos segundo o mais recente ministro da Administração Interna, Calvão Silva, que ou muito me engano uma permanência prolongada no governo nos traria bastante matéria de comentário) que são provocadas simplesmente por mau investimento público. O caso do projeto POLIS em Albufeira com infraestruturas realizadas aprisionando uma ribeira é inequivocamente um caso de mau investimento público. Um resquício de um tempo em que a euforia da infraestrutura se sobrepunha a qualquer outro tipo de racionalidade ou defesa de outros recursos. É óbvio que poderia ter escapado incólume, valendo sobretudo a lápide de inauguração e o espaço público reconstruído. Mas é nestes casos que o investimento deve ser exemplar e produzir efeito de demonstração sobre o investimento privado.

Será interessante observar como é que a situação será reposta, cavalgando o erro ou emendando a mão e procurando uma outra convivência com o elemento natural, neste caso a ribeira. Recordo-me que em férias já longínquas na Costa Brava da Catalunha presenciei em aglomerados não propriamente pouco densos de edificação um respeito muito grande pelas ribeiras de escoamento para o mar das águas pirenaicas. Algumas dessas ribeiras dão acolhimento a estacionamento de veículos, sem qualquer impermeabilização, mas sujeitas a alertas sonoros e de vigilantes humanos de possíveis enxurradas tão típicas do verão catalão.

Por agora a euforia das infraestruturas parece estar contida e o desafio será o do ciclo da renovação e manutenção. E, por outro lado, há uma coisa chamada de mudanças climáticas, uma outra palavra para instabilidade natural, que os nossos projetistas deveriam começar a internalizar na sua criatividade de projeto.

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