(A caminho
de uma intervenção nas VI Jornadas Empresariais em Serralves)
A Fundação AEP teve a amabilidade de me convidar para
participar nas VI Jornadas Empresariais, iniciativa com organização conjunta
das Fundações AEP e de Serralves, no dia 12 de novembro, este ano dedicadas ao
tema Mudar
para Desenvolver, por outras palavras as empresas sob o signo de mudança
nestes tempos complexos e incertos que as grandes tendências mundiais nos trazem.
Viriato Soromenho Marques faz a palestra de abertura,
para depois este vosso amigo intervir num painel, moderado pelo Engº José Carlos
Caldeira, hoje presidente da Agência Nacional de Inovação, e cujo tema de
discussão está focado nas megatendências que enquadram a vida empresarial do
futuro próximo, se é que hoje existe alguém capaz de antecipar tendências para
além do boletim meteorológico empresarial do dia. Da companhia de intervenção
destaco a presença do José Manuel Mendonça, Presidente do INESC TECH, obviamente
uma boa e estimulante companhia.
Não sei por que carga de trabalhos, solicitaram que a
minha intervenção analisasse as implicações socioeconómicas dessas megatendências,
logo a seguir ao tema do José Manuel Mendonça que é compreensivelmente o das implicações
tecnológicas.
Preparei uma intervenção sob o título “Megatendências
e mudança sócioeconómica”, a qual, embora rejeitando a atitude de análise
sociológica das megatendências da economia, evolui muito à minha maneira de
cruzar a análise económica e o social, para melhor compreender a primeira e
salientar a relevância do segundo. No fim de contas, uma oportunidade para
regressar aos dois temas que tornaram penosa a minha retirada dos trabalhos
académicos: a globalização, sobretudo na sua encruzilhada do pós-2007-2008 e a
coevolução do progresso tecnológico e das tecnologias sociais que a inovação
historicamente tem representado.
No que respeita à globalização, analisarei sobretudo a
incoerência hoje observada entre as três dimensões centrais do processo de
globalização:
- Económica (fluxos de comércio): em que o regionalismo económico dos grandes blocos parece ter substituído a organização global do comércio;
- Financeira (fluxos de capitais): na qual a dimensão da crise de 2007-2008 e do seu “aftermath” mostrou como ela pode ser perigosa;
- Humana (fluxos de pessoas): a qual, até agora incipiente em comparação com períodos anteriores, cresce dramaticamente e pelas piores razões.
No âmago desta incoerência, reforçada sobretudo após a
crise de 2007-2008, está hoje a ausência de um racional político e económico
para a globalização, para lá da realidade da empresa metanacional, entendida
como estádio avançado da firma multinacional, e gere a globalidade do negócio
em função da gestão do conhecimento realizada a partir dos inúmeros redutos em
que está instalada por esse mundo fora. Contexto de desconformidade e de ausência
de rumo regulatório, em que melhor se compreende a tese seminal de RODRIK
segundo o qual a globalização não consegue simultaneamente aumentar a
intensidade da integração económica, o respeito pelo Estado-Nação fonte de
todas as políticas públicas e a preservação das conquistas da democracia política.
No outro vetor da intervenção, regresso a um tema que tem
sido caro à minha participação neste blogue. Vivemos hoje do ponto de vista
tecnológico e económico uma situação muito paradoxal. Aparentemente, assiste-se
à emergência de um novo ciclo de revolução tecnológica, organizado em torno da
generalização de processos de robotização, novas formas de inteligência
artificial que nos levam ao tema das máquinas aprendentes (em que um português,
hoje radicado nos EUA, Professor Pedro Domingos, dá cartas com a sua última
obra The Master Algorithm) e grandes
avanços no processamento dos chamados Big Data, que vão revolucionar as relações
entre as empresas e os consumidores. Mas, apesar dessa onda promissora, discute-se
a estagnação secular das economias avançadas de que a chamada economia ZLB
(Zero Lower Bound) é tão só um indicador e de que o fraco ritmo de crescimento da
produtividade completa o quadro.
Em 1987, Solow discutia provocatoriamente no New York Times Book Review que os computadores estavam por todo o lado, exceto nas estatísticas
da produtividade. Solow limitava-se a interrogar-se sobre as razões explicativas
dos efeitos muito diferidos que a revolução tecnológica das TIC estava provocar
na economia americana. Uma outra maneira de falar na longa maturação dos
efeitos da tecnologia sobre a economia.
O paradoxo parece de novo instalar-se. Têm-se multiplicado
os sinais de “ansiedade tecnológica” com antecipação de efeitos sobre o
emprego, desigualdade, degradação da posição relativa das classes médias. Discute-se
a estagnação secular de economias avançadas, em que a desaceleração do
crescimento da produtividade é hoje manifesta.
Até agora, a metáfora do cavalo, da robotização e das
qualificações transformava estas últimas no antídoto necessário face aos avanços
da tecnologia. A força bruta era dispensada por soluções tecnológicas cada vez
mais baratas, mas o “skill bias” implícito
na tecnologia inovadora protegia os mais qualificados e condenava à sua sorte e
à exclusão o trabalho mais desqualificado. A proteção para este último, não em
termos de salários mas de emprego, estaria no facto da computação aparentemente
não conseguir programar tarefas em que as soft
skills, a inteligência social e a criatividade pudessem acrescentar algo ao
trabalho desqualificado. Nesse contexto, apenas o trabalho concretizado em
ambientes rotinizáveis, previsíveis e programáveis seria penalizado. Hoje não é
seguro que essa metáfora continue a exercer o seu manto protetor. O humano pode
seguir pelo menos parcialmente o desaparecimento do cavalo. E talvez se instale
a divisão entre os qualificados, com novas dicotomias a emergirem neste
universo, tais como a banalização versus a sofisticação e excelência da formação
graduada, as melhores versus as piores escolas e tantas outras.
Desta vez será mesmo diferente ou respeitando a história
do tempo longo as oportunidades suscitadas pelas novas tecnologias continuarão a
compensar a destruição das velhas competências?
Será que poderemos equacionar a hipótese de algum humano
ter de assumir a responsabilidade de liderar a última inovação que recorre ao
contributo da intervenção humana?
Sem comentários:
Enviar um comentário