(A estagnação
secular das economias avançadas
e seus efeitos na economia mundial)
Começamos a sinopse dos temas do ano com um dos temas mais comentados neste
blogue – a estagnação secular.
Os economistas mantêm com o tempo uma relação difícil, sobretudo do ponto
de vista das lentes com que um determinado acontecimento económico é
interpretado. Quando vivemos um determinado acontecimento e o queremos
interpretar, ele é único, impõe-se por si próprio. A habilidade a que os economistas
frequentemente recorrem de o interpretar como se fosse um acontecimento a curto
prazo ou, alternativamente, analisando-o numa perspetiva de longo prazo (o tempo
longo que tanto me fascina) não é mais do que uma simples abstração. O acontecimento
é aquele e não mais do que aquele. O que estamos a dizer é que o seu significado
pode divergir quando o interpretamos numa lógica de curto prazo ou, como também
se diz, de conjuntura do que ele pode representar, inserindo-o numa lógica de
tempo longo. Mas para quem vive esse momento, das duas lógicas, a do curto prazo
e a do tempo longo só a primeira nos toca, simplesmente porque estamos a vivê-la.
O exemplo clássico desta contradição imposta pelas ferramentas da análise económica
é o da vivência do desemprego. Para o trabalhador, novo ou velho não interessa,
o que conta é o drama por vezes trágico da destruição do seu posto de trabalho.
Para ele nada conta a invocação por parte dos economistas do tempo longo que a
destruição de emprego é mais do que compensada (tem sido até agora, mas não é
necessário que assim se repita por todo o sempre) pela criação de novos
empregos. Talvez para o trabalhador mais jovem isso possa servir de consolo. Para
o trabalhador mais velho, rapidamente esse consolo desapareceria se o
economista do tempo longo fosse mais preciso e lhe comunicasse a dimensão de
tempo que será necessária para que essa compensação se produza.
Esta complexa integração do tempo na análise económica está presente, por
exemplo, no modo como tem vindo a ser explicada a mais que anómala recuperação
da economia mundial (e particularmente das economias mais avançadas) após a
crise financeira de 2007-2008. Hoje já é percetível que a intensidade dos
efeitos da Grande Recessão de 2007-2008 foram inferiores às da Grande Depressão
de 1930, mas que a recuperação demorou bem mais anos a ser consumada e a
tornar-se sustentada. Ora, o que acontece é que quando hoje analisamos o
confronto entre estes dois acontecimentos cruciais do capitalismo mais recente
essa comparação é truncada por uma evidência que tendemos a subestimar. Quanto à
Grande Depressão de 1930 já a podemos avaliar como acontecimento inserido num
tempo longo, ao passo que para a Grande Recessão não temos ainda a distância
necessária para o fazer.
Foi por isso muito relevante que alguns economistas tivessem ousado passar
além desses limites e cunhar o que estamos a viver com uma aposta arriscada,
largamente intuitiva, de que estaremos a viver um processo de estagnação
secular. O debate sobre a estagnação secular teve em 2015 o seu grande
desenvolvimento, largamente impulsionado pela destreza e repercussão mediática
dos escritos de Lawrence Summers, académico prestigiado, figura complexa e controversa,
que é tudo menos um académico encerrado em torre de marfim. Até o acusam de saltar
demasiadas vezes a cerca dos limites da investigação para se aventurar em domínios
que não correspondem com rigor ao que se esperaria de um economista académico.
Summers cunhou o fenómeno, homenageando um economista Alvin Hansen, que havia
invocado o tema para enquadrar os efeitos da democracia sobre o crescimento
económico. Estou em crer que a invocação de Hansen não é por acaso. Hansen
pertence aquela época de economistas em que os temas estruturais tinham visibilidade
e despertavam o interesse da investigação, até serem substituídas pela ilusão de
que os mercados tudo resolvem.
O desenvolvimento do debate sobre a estagnação secular veio abri-lo a uma
multiplicidade de dimensões e com isso ganhamos discernimento para entender o
momento atual do capitalismo. A moderação do crescimento económico nas
economias avançadas é tema que deve merecer à economia portuguesa atenção ponderada.
Duas razões essenciais suscitam essa atenção. Estando as economias de destino
das nossas exportações sob o risco da estagnação secular isso corresponde a um desafio
extremo, que nos conduzirá à necessidade de reorientação de destinos dessas
exportações. E bem sabemos que essa reorientação não é instantânea. Depois, um
período de estagnação secular determina que a redução do desemprego por via do
crescimento esteja fortemente condicionada e esse espectro de manutenção de
desemprego a níveis elevados pressiona transversalmente as economias.
O debate estimulado por Summers permitiu confirmar que a estagnação secular
pode resultar de fatores de oferta e de procura. Summers inclina-se para a relevância
do condicionamento de procura imposto sobretudo pelo advento imparável da
desigualdade e pela crise de investimento que é por sua vez determinada pela
baixa do preço relativo do capital (para a mesma necessidade física de capital
a descida do preço do capital determina que uma menor volume de investimento
seja necessário). Certamente que os limites e interrogações sobre a evolução do
progresso técnico são relevantes, mesmo que a inovação tecnológica nos surpreenda
a todo o momento, cortando todas as veleidades do estagnacionismo tecnológico.
A aposta teórica de Summers tem riscos. Veremos se a recuperação da
economia americana e a subida gradual das taxas de referência do FED a
transportará para ritmos de crescimento que tornem obsoleto o tema da estagnação
secular. Mesmo que a produção teórica e reflexiva tenha surgido inicialmente em
2014, foi em 2015 que o debate se tornou mais vivo. Se Summers tiver razão,
acentuando os bloqueios da procura global, Keynes ficará ainda mais vivo. Estou
certo que em 2016 continuará a surgir mais investigação académica sobre o tema,
infirmando-o ou contrariando-o não importa.
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