sábado, 5 de dezembro de 2015

TRÊS DISCURSOS DO FED




(À medida que a decisão de aumentar taxas de referência por parte do FED –USA se torna cada vez mais provável, maior atenção se impõe ao pensamento que vai emergindo a partir da instituição)

O Banco da Reserva Federal dos EUA, a instituição central e os bancos nela representados, é uma fonte inesgotável de produção de pensamento macroeconómico digno de atenção. Os discursos de alguns dos membros do seu corpo executivo são peças incontornáveis para se compreender o quadro macroeconómico em que a economia americana se movimenta e, indiretamente, da própria situação macroeconómica mundial. O duplo mandato de estabilidade de preços e de pleno emprego a que o FED está obrigado tem sido progressivamente exercido com monitorização rigorosa da economia mundial, sobretudo do grupo dos emergentes incluindo a China, tamanha é a imbricação por via dos mercados financeiros entre as economias, não esquecendo ainda o comportamento do dólar e o próprio impacto nas exportações americanas. Acresce que não estamos a falar de mangas-de-alpaca e burocratas. Estamos a falar de grandes economistas, que passaram da academia (e a ela regressarão na sua grande maioria terminados os seus mandatos), como é o caso dos três economistas autores dos três discursos que convoquei para este post, todos eles proferidos nos primeiros dias de dezembro: Janet Yellen, que lidera o FED, Stanley Fisher vice-presidente e Lael Brainard, governador. Também por aqui passa a disseminação das ideias macroeconómicas e não espanta por isso que o debate macroeconómico seja mais rico e intenso nos EUA do que na Europa.

Yellen e Brainard elaboraram sobre as condições que ditarão ou não a necessidade de aumento da taxa de referência do FED, a primeira com uma análise mais global sobre o momento atual da economia americana e o segundo trabalhando sobretudo o conceito de taxa de juro nominal neutral. Este último conceito representa uma grandeza não observada e que necessita por isso de ser estimada por métodos indiretos: é a taxa de juro de referência do FED consistente com um crescimento económico próximo do produto potencial, pleno emprego e estabilidade de preços. A taxa de juro nominal neutral equivale de certa maneira a um outro velho conceito da macroeconomia, a taxa de juro natural, mais propriamente a taxa que equilibrará a poupança e o investimento em condições de pleno emprego. Fisher, por sua vez, elabora sobre a estabilidade do sistema financeiro e mais propriamente sobre os avanços reguladores sobre uma realidade que se revelou letal em plena crise financeira de 2007-2008, os chamados bancos sombra, entidades não bancárias mas que exercem uma intervenção sobre os mercados financeiros embora não estando sujeitas às mesmas condições de supervisão e de regulação.

O debate em torno do “outlook” atual da economia americana é vital para compreendermos o estado global previsível da economia mundial. A curiosidade do debate está no facto da economia americana se aproximar do que vulgarmente é entendida como uma taxa de desemprego de equilíbrio, 5%. A economia americana estaria assim a aproximar-se de uma situação de pleno emprego, com crescimento económico moderado e inflação bem abaixo do ritmo de crescimento de preços em regra associado à estabilidade nominal, 2%. Num primeiro e aparente relance, a economia americana estaria assim em condições de exigir a subida das taxas de juro de referência em direção ao que seria interpretável como normalidade. Porquê então o debate?

Várias matérias são responsáveis pelo ambiente de debate. Primeiro, não é seguro que a aproximação à taxa de 5% não tenha sido realizada com a permanência de fenómenos de subocupação de recursos em matéria de mercado de trabalho. O FED identifica sinais de que continua a haver população fora da força de trabalho que deseja e ainda não conseguiu regressar com êxito ao mercado de trabalho. Por outro lado, embora em diminuição, a percentagem de trabalhadores a tempo parcial que desejariam trabalhar a tempo interno e não o conseguem continua elevada. Segundo, o crescimento moderado de salários ainda não se identifica completamente com uma situação de pleno emprego. Terceiro, continua a ser incerto que a progressão do crescimento dos preços evolua rapidamente para o valor de referência de 2%. Quarto, não é seguro que o valor da taxa nominal de juro neutral regresse aos valores que assumia antes da Grande Recessão, tudo indicando que permanecerá por longo tempo abaixo desses valores. Quinto, continua a ser claro que, em contexto de taxas de juro nulas ou negativas, será sempre mais fácil intervir tardiamente sobre pressões inflacionárias (que não são expectáveis) do que emendar a mão de uma restrição demasiado precoce. Por todas estas razões, a decisão a tomar pelo FED no sentido da pretensa “normalidade”, continua a enfrentar a suprema interrogação sobre o que será o novo normal.

Se no plano da performance macro as interrogações permanecem, do ponto de vista da estabilidade financeira o discurso de Stanley Fisher alerta-nos para o facto da teoria desconhecer de modo mais profundo as relações existentes entre a atividade bancária e a sua regulação e as instituições financeiras não bancárias.

Tudo isto significa que as vulnerabilidades das economias de mercado face a uma eventual reincidência de uma Grande Recessão como a de 2007-2008 permitem-nos dizer que não é seguro que tenhamos apreendido todas as lições necessárias para a superar. Por isso, será melhor evitar essa reincidência do que confiar nas lições aprendidas. E não serão apenas a política monetária e os bancos centrais que poderão assegurar que essa reincidência não se produza, embora para isso possam contribuir.

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