domingo, 6 de dezembro de 2015

WE DON’T NEED NO FEDERATION …




(Reflexões em torno de uma proposta recente do think-tank Centre for European Reform sobre o impasse em que a progressão do modelo europeu está mergulhada)

Não, não se trata de um “remake” de uma velha canção da Tina Turner (We don’t need other heroe) adaptada ao impasse em que a progressão do modelo europeu está já há algum tempo mergulhada. A reflexão surge porque não têm abundado os contributos de reflexão para a procura de saídas do impasse europeu. A base para o comentário de hoje é um contributo recentíssimo, datado de dezembro, proveniente do think-tank Centre for European Reform, mais propriamente assinado pelo seu economista-chefe Christian Odendhal.

O que me atraiu neste contributo é o facto dele explorar uma obra que faz parte das minhas reflexões sobre a encruzilhada de aprofundamento em que a globalização se encontra e matéria central do meu curso ou lições dispersas sobre este tema. A obra é The Globalization Paradox de Dani Rodrik e a sua invocação prende-se essencialmente com o chamado trilema de Rodrik, à luz do qual o economista turco-americano defende a tese de que a globalização, tal como está configurada, não consegue atingir simultaneamente as três realizações de aprofundar a integração económica mundial, respeitar as aquisições da democracia política e preservar o Estado-nação.  Curiosamente, no curso e nas lições dispersas sobre globalização, aplico em regra o trilema de Rodrik ao tema da integração europeia e é por isso com agrado que vejo o Centre for European Reform evoluir nessa direção.

O impasse (degenerativo, diga-se) do projeto europeu consubstancia-se muito claramente numa contradição até agora insanável. O projeto Euro defronta-se hoje com enormes vulnerabilidades que resultam, em grande medida, da necessidade de maior integração em matérias vitais para a estabilidade dos seus mecanismos centrais, como é o caso por exemplo da União Bancária e de toda a regulação do sistema financeiro. Mas, a um outro nível, no plano político, o projeto europeu enfrenta uma crescente animosidade e oposição a essa integração, podendo dizer-se que o Estado-nação ainda respira e sabemos como os meandros e instrumentos da política económica ainda mantêm com o nível nacional uma profunda imbricação.

Como é sabido, o mandato do BCE foi ao tempo claramente influenciado pela ortodoxia económica e financeira então reinante. Se a política monetária dos estados-membros da zona euro desapareceu para dar lugar à ação do BCE, a verdade é que dada a incapacidade do mandato do BCE de responder à estabilização do produto e do desemprego por via monetária, ela tem de ser fortemente complementada por políticas fiscais que são claramente nacionais, dada a irrelevância do orçamento europeu em termos de recursos mobilizados. Se a propósito de intervenção monetária do BCE é comum falar-se de bazucas, então a política fiscal europeia não é mais do que uma frágil pistola de carnaval.

Na proposta do Centre for European Reform, ressalta sobretudo a tentativa de formulação de um modelo de governação que critica parcelarmente o chamado Relatório dos Cinco Presidentes, o último documento de reflexão sobre o modelo europeu que chegou ao debate público. A proposta está alinhada pela tentativa de aplicação seletiva de processos de integração e aprofundamento económico e financeiro de âmbito europeu, libertando processos para abrir espaço efetivo à influência do Estado-nação e dos estados-membros. Numa palavra, um misto de integração e aprofundamento e de devolução, na prática uma espécie de meio-termo no trilema de Rodrik, adaptado à construção europeia: o aprofundamento económico, a preservação de alguns domínios de intervenção do Estado-nação e a preservação de mecanismo democráticos, seja pela maior monitorização e decisão dos parlamentos nacionais, seja pelo aprofundamento do papel do Parlamento Europeu.  

Essa procura de equilíbrio entre as necessidades seletivas de integração e aprofundamento dos mecanismos de decisão transnacionais e a aplicação seletiva dos mecanismos nacionais não é seguramente a via dos diretórios europeus que estiveram na base dos ajustamentos preconizados no âmbito das crises das dívidas soberanas. A proposta do Centre for European Reform fala antes de processos de delegação ascendente de responsabilidades (imagino que democraticamente validados a nível nacional) em matérias em que a integração é crucial para reduzir vulnerabilidades e de atribuição às democracias nacionais da tarefa de decidir sobre as reformas estruturais. Esta segunda proposta é talvez aquela que mereça acompanhamento e reflexão mais sérios no futuro, pois adapta-se em meu entender ao que António Costa parece querer das instituições europeias para resolver a questão nacional. Em primeiro lugar, porque o documento do think-tank parece, embora timidamente, rejeitar a retórica das reformas estruturais entendidas como criação de condições de liberalização, como o diretório europeu tem entendido. Em segundo lugar, porque remeter essas decisões para o plano nacional, pressupõe uma maior fiscalização democrática e parlamentar das opções que vão sendo tomadas sob o manto influenciador dos interesses europeus.

Sabemos que as propostas reformistas e que se baseiam em procuras de equilíbrio com margens de manobra muito estreitas nem sempre conseguem encontrar o seu caminho crítico. Frequentemente acabam devoradas e atropeladas pela força das circunstâncias políticas. Resta saber se no caso europeu o processo não é já de não retorno em termos de dissolução do projeto europeu. Que as necessidades de integração económica e financeira são cruciais para minimizar as fragilidades do edifício do Euro parece corresponder a algo de inquestionável. Mas será que há haverá lucidez política para diferenciar rigorosamente as matérias que podem continuar a ser matéria de decisão nacional? Será que haverá no projeto europeu elasticidade e flexibilidade suficientes para compatibilizar decisões nacionais diversas sobre o tema das reformas estruturais? Não tenho respostas para estas interrogações. Mas tenho a certeza de que esta é matéria a que o governo de António Costa deverá atribuir atenção redobrada nos seus contactos com Bruxelas e com toda a sua “entourage” de pensamento em que os think-tanks como o Centre for European Reform se situam.

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