(Na entrevista
ao Financial Times, Matteo Renzi tem a virtude de ser, que me lembre, o
primeiro político europeu em exercício a denunciar os efeitos políticos dos ajustamentos de
austeridade)
Alguém mordeu os calcanhares ao primeiro-ministro
italiano e parece ter sido a senhora Merkel. Não me tinha apercebido que havia
uma maca qualquer com a questão dos gasodutos entre a Rússia e a União
Europeia. Pelos vistos, a União Europeia terá rejeitado a hipótese de um
gasoduto direto à Rússia que teria beneficiado a Itália (com forte dependência
face aos fornecimentos russos) e estará eminente a aprovação de uma ligação
direta entre a Alemanha e a Rússia. Renzi pergunta se a decisão tem a cobertura
da política energética europeia ou se pelo contrário é um grande frete à
Alemanha e à Holanda, os únicos países a pronunciarem a favor na única discussão
do projeto a que Renzi terá assistido.
Renzi poderá estar também zangado pelo tratamento desigual a que a Itália e
a Alemanha terão sido sujeitas, com a recente sinalização de infração feita
pela Comissão Europeia à Itália, segundo a qual este país não teria procedido
conforme as regras assinalando impressões digitais a todos os emigrantes
acolhidos. Esta reprimenda deixou Renzi furibundo pois, segundo a sua apreciação,
à Alemanha foi concedida a graça de assumir primeiro a solidariedade do
acolhimento e só depois as exigências burocráticas, ao passo que não houve a mínima
condescendência para com as dificuldades de acolhimento de refugiados em Itália.
Ou ainda porque a Comissão Europeia tem sido crítica dos projetos orçamentais
do governo italiano, pródigos em aliviamento de impostos e moderados no corte
de despesa pública.
Talvez por estes motivos ou simplesmente por convicção de ideias, o que lhe
daria mais força, Renzi na entrevista ao Financial Times é muito claro quando
denuncia os efeitos políticos dos ajustamentos de austeridade. Renzi responsabiliza
as políticas europeias pela degradação da saúde política na Polónia, na Grécia,
em França e pelos problemas de difícil governabilidade em Portugal e em Espanha.
E sou o primeiro a dar-lhe razão. Num projeto como o da União Europeia, que não
é só um projeto político, alguém tem de responder pela emergência de forças políticas
que são a negação do espírito democrático e solidário com que a ideia de Europa
foi construída. É necessário que alguém comece a falar mais grosso. A Itália e
a Espanha têm condições para isso. Portugal, com uma dimensão que mal
trabalhada pode gerar a irrelevância, poderia cavalgar esse vento favorável,
com imaginação diplomática. Mas com esqueletos como o do Banif e um sistema financeiro
que já absorveu cerca de 13 mil milhões de euros de recursos públicos, receio
bem que a atitude seja a da mãozinha estendida de sempre e as vozes de Costa, Centeno
e Santos Silva poderão não soar tão fortes como seria de desejar.
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