terça-feira, 22 de dezembro de 2015

RENZI COM MOSTARDA NO NARIZ




(Na entrevista ao Financial Times, Matteo Renzi tem a virtude de ser, que me lembre, o primeiro político europeu em exercício a denunciar os efeitos políticos dos ajustamentos de austeridade)

Alguém mordeu os calcanhares ao primeiro-ministro italiano e parece ter sido a senhora Merkel. Não me tinha apercebido que havia uma maca qualquer com a questão dos gasodutos entre a Rússia e a União Europeia. Pelos vistos, a União Europeia terá rejeitado a hipótese de um gasoduto direto à Rússia que teria beneficiado a Itália (com forte dependência face aos fornecimentos russos) e estará eminente a aprovação de uma ligação direta entre a Alemanha e a Rússia. Renzi pergunta se a decisão tem a cobertura da política energética europeia ou se pelo contrário é um grande frete à Alemanha e à Holanda, os únicos países a pronunciarem a favor na única discussão do projeto a que Renzi terá assistido.

Renzi poderá estar também zangado pelo tratamento desigual a que a Itália e a Alemanha terão sido sujeitas, com a recente sinalização de infração feita pela Comissão Europeia à Itália, segundo a qual este país não teria procedido conforme as regras assinalando impressões digitais a todos os emigrantes acolhidos. Esta reprimenda deixou Renzi furibundo pois, segundo a sua apreciação, à Alemanha foi concedida a graça de assumir primeiro a solidariedade do acolhimento e só depois as exigências burocráticas, ao passo que não houve a mínima condescendência para com as dificuldades de acolhimento de refugiados em Itália.

Ou ainda porque a Comissão Europeia tem sido crítica dos projetos orçamentais do governo italiano, pródigos em aliviamento de impostos e moderados no corte de despesa pública.

Talvez por estes motivos ou simplesmente por convicção de ideias, o que lhe daria mais força, Renzi na entrevista ao Financial Times é muito claro quando denuncia os efeitos políticos dos ajustamentos de austeridade. Renzi responsabiliza as políticas europeias pela degradação da saúde política na Polónia, na Grécia, em França e pelos problemas de difícil governabilidade em Portugal e em Espanha. E sou o primeiro a dar-lhe razão. Num projeto como o da União Europeia, que não é só um projeto político, alguém tem de responder pela emergência de forças políticas que são a negação do espírito democrático e solidário com que a ideia de Europa foi construída. É necessário que alguém comece a falar mais grosso. A Itália e a Espanha têm condições para isso. Portugal, com uma dimensão que mal trabalhada pode gerar a irrelevância, poderia cavalgar esse vento favorável, com imaginação diplomática. Mas com esqueletos como o do Banif e um sistema financeiro que já absorveu cerca de 13 mil milhões de euros de recursos públicos, receio bem que a atitude seja a da mãozinha estendida de sempre e as vozes de Costa, Centeno e Santos Silva poderão não soar tão fortes como seria de desejar.

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