sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

SOBREVOO SOBRE QUESTÕES EUROPEIAS




(Elementos de reflexão diversos para um melhor dimensionamento da perspetiva europeia em Portugal)

As coisas vão mornas por este pacato país. O tempo é de reencontros à esquerda. A apresentação do quarto volume da biografia não autorizada de Álvaro Cunhal de José Pacheco Pereira em Peniche, sob o acolhimento de um autarca da CDU exemplar, o de Peniche, constitui um evento simbólico desses reencontros à esquerda. Afinal é possível conversar, discutir, dialogar, sem que os esqueletos ideológicos travem essa espontaneidade. O tempo é de facto diferente. E claro que Marcelo lá teria de estar. A sua ida à festa do Avante anunciava uma trajetória, que está a seguir rigorosamente, penetrando pelos vistos no eleitorado das esquerdas. Afinal, com a guinada à direita do PSD, radicalizado pelos seus jovens lobos, Marcelo acaba por representar os resquícios da social-democracia que ainda subsiste pelas hostes laranjas. O Professor é certamente jongleur, manipulador, instável, catavento por vezes, artista da comunicação televisiva. Mas a sua sensibilidade social, apesar das férias em destinos exóticos com os Espírito Santo, não tenho dúvidas de que é genuína. E por isso temo que a sua caminhada pelas presidenciais seja uma passeata. Sampaio da Nóvoa foi na prática tramado pela inconsistência do PS, Maria de Belém não passa disso, apesar dos esforços de Jorge Coelho em associá-la à história do PS e os outros candidatos, apesar da bondade das suas ideias, estarão na campanha para simplesmente alargar a lista de votantes. Por isso, das presidenciais não virá pimenta.

É verdade que a questão de saber se o défice de 2015 permitirá efetivamente lançar o país para fora da situação de défice excessivo apimentou um pouco a conjuntura política. Para meu gosto, gostaria de uma explicação mais transparente da situação orçamental que o governo PS terá encontrado. Mário Centeno corrigiu a pimenta da situação, despachou o problema com algumas técnicas conhecidas de cativação e similares e por isso nem o défice aqueceu o ambiente. O Natal está à porta, os jornalistas convencionaram que é tempo para outras coisas e assim sendo teremos águas calmas talvez até à apresentação e discussão do orçamento.

Será tempo por isso para regressar aos temas europeus, até porque aí, nesse plano, se travarão as grandes batalhas.

Comecemos por mais uma acha para a fogueira da discussão dos rumos da União. O think-tank Fiscal Studies do Reino Unido acaba de publicar um estudo comparado dos programas de austeridade concretizados em seis países europeus (UK, Itália, França, Espanha, Irlanda e Alemanha, ou seja, com Portugal secundarizado, as usual). O Free Exchange do Economist dedicou-lhe peça própria, o que sinaliza a sua importância. E conclui que a austeridade nesses países discriminou negativamente os mais jovens, por vias diversas: atacando mais o investimento e menos a despesa corrente, ou seja, penalizando gerações futuras; atingindo mais os rendimentos líquidos dos ativos a trabalhar do que os pensionistas; a que teríamos de acrescentar pelo menos em alguns países a degradação das taxas de desemprego juvenil. Falei em acha para a fogueira, pois o argumento da justiça intergeracional é uma matéria que alguns jovens lobos da direita mais liberal costumam acionar para justificar algumas dimensões de cortes sociais e outras tropelias, focados nas populações mais envelhecidas. Em meu entender, o tema exige mais investigação e sobretudo o seu foco no tema da evolução da desigualdade, num espectro se possível muito largo de situações de desigualdade, não apenas entre gerações mais velhas e mais novas. Os padrões da desigualdade perseguem caminhos muito diversificados na União Europeia, já que é suficiente uma investigação preliminar sobre políticas sociais e de rendimento na UE para compreender que isso de União é uma grande treta e que encontramos diversidades extremas no seu seio em matéria de políticas e situações que podem conduzir a padrões de desigualdade muito diversificados. Mas não pode ignorar-se que o equilíbrio intergeracional é um grande desafio que pesa sobre uma Europa cada vez mais envelhecida, passível de rejuvenescimento apenas por forças exógenas.

Noutro plano, o Mainly Macro de Simon Wren-Lewis (SWL) continua o seu trabalho pedagógico, alertando para o modo como funcionam numa união monetária os mecanismos da competitividade, com a Alemanha no foco das objeções. O seu raciocínio é simples. Numa economia que funciona em câmbios flexíveis, com a sua moeda a ser determinada em mercado em função das procuras e ofertas relativas de divisas, qualquer corte a nível interno de salários e preços é neutralizado pela apreciação da moeda com a consequente anulação do ganho de competitividade possibilitado inicialmente pela descida de salários e preços. Ora, a zona Euro funciona como uma economia em regime de câmbios flexíveis. Nestas condições, se a Alemanha, representando aproximadamente 1/3 da União Monetária, descer salários e preços em 3%, então os salários e preços da União como um todo descerão 1%. Porém, com a apreciação de 1% do euro, acontecem duas coisas: a União como um todo não ganhou competitividade, embora a Alemanha tenha ganho competitividade em relação aos seus parceiros europeus de 3% e de 2% em relação ao mundo (3% - 1% de apreciação do euro). A metáfora-exemplo é muito clara. A Alemanha estará a ganhar competitividade a expensas dos seus parceiros, embora a União como um todo não beneficie de tal operação. Ou seja, na prática uma política de “beggar-my-neighbour”, tão vilipendiada no comércio internacional e afinal praticada no interior de uma União que deveria estar a salvo de tais tropelias.

O exemplo é pedagógico. O significado da austeridade, disciplina e contenção alemã não tem o mesmo significado quando considerado no quadro de uma UEM ou admitindo que a economia alemã funciona isoladamente perdida no mundo económico global. Por mais que os alemães pareçam assobiar para o lado, eles pertencem a uma UEM.

Na mesma linha de incapacidade de entender o que é pertencer a uma zona Euro, Frances Coppola, no seu blogue Coppola Comment, alerta para a recente reivindicação por parte do Conselho de Peritos Económicos do Governo Alemão dirigida ao BCE para suspender o programa de quantitative easing em curso e inverter o seu rumo, ou seja, seguir algo de similar ao que se estima que o FED-USA irá fazer ainda este mês de dezembro. O argumento utilizado é também similar ao que os “falcões” americanos têm vindo a utilizar: um período excessivo de taxas de juro nulas ou negativas cria potencialmente instabilidade financeira pois levaria os operadores financeiros a procurar investimentos demasiado arriscados. Frances Coppola desmonta o argumento por duas vias: por um lado, a economia alemã está longe de poder considerar-se em situação que exija a subida de taxas de juro de referência; por outro e esse é o argumento do post de hoje, o BCE não pode definir a sua política de estímulo monetário em função da economia alemã, antes o deve fazer em função da economia global da zona euro. Esse é o contrato.

Moral da história deste post: há muita matéria em que a força das ideias tem de ser  promovida no plano europeu. Os alemães não podem encarar a UEM como algo que se mobiliza quando dela beneficiamos e que rapidamente se descarta quando a conversa não lhes agrada. Com esta conceção dos mecanismos europeus não admira que os eurocéticos trepem por aí acima. Afinal são mais coerentes.

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