(Elementos de reflexão diversos para um melhor dimensionamento da
perspetiva europeia em Portugal)
As coisas vão mornas por este pacato país. O tempo é de reencontros à
esquerda. A apresentação do quarto volume da biografia não autorizada de Álvaro
Cunhal de José Pacheco Pereira em Peniche, sob o acolhimento de um autarca da
CDU exemplar, o de Peniche, constitui um evento simbólico desses reencontros à
esquerda. Afinal é possível conversar, discutir, dialogar, sem que os
esqueletos ideológicos travem essa espontaneidade. O tempo é de facto diferente.
E claro que Marcelo lá teria de estar. A sua ida à festa do Avante anunciava
uma trajetória, que está a seguir rigorosamente, penetrando pelos vistos no
eleitorado das esquerdas. Afinal, com a guinada à direita do PSD, radicalizado
pelos seus jovens lobos, Marcelo acaba por representar os resquícios da social-democracia
que ainda subsiste pelas hostes laranjas. O Professor é certamente jongleur, manipulador, instável, catavento
por vezes, artista da comunicação televisiva. Mas a sua sensibilidade social,
apesar das férias em destinos exóticos com os Espírito Santo, não tenho dúvidas
de que é genuína. E por isso temo que a sua caminhada pelas presidenciais seja
uma passeata. Sampaio da Nóvoa foi na prática tramado pela inconsistência do PS,
Maria de Belém não passa disso, apesar dos esforços de Jorge Coelho em associá-la
à história do PS e os outros candidatos, apesar da bondade das suas ideias, estarão
na campanha para simplesmente alargar a lista de votantes. Por isso, das presidenciais
não virá pimenta.
É verdade que a questão de saber se o défice de 2015 permitirá efetivamente
lançar o país para fora da situação de défice excessivo apimentou um pouco a conjuntura
política. Para meu gosto, gostaria de uma explicação mais transparente da
situação orçamental que o governo PS terá encontrado. Mário Centeno corrigiu a pimenta
da situação, despachou o problema com algumas técnicas conhecidas de cativação
e similares e por isso nem o défice aqueceu o ambiente. O Natal está à porta,
os jornalistas convencionaram que é tempo para outras coisas e assim sendo teremos
águas calmas talvez até à apresentação e discussão do orçamento.
Será tempo por isso para regressar aos temas europeus, até porque aí, nesse
plano, se travarão as grandes batalhas.
Comecemos por mais uma acha para a fogueira da discussão dos rumos da União.
O think-tank Fiscal Studies do Reino Unido
acaba de publicar um estudo comparado dos programas de austeridade concretizados
em seis países europeus (UK, Itália, França, Espanha, Irlanda e Alemanha, ou seja,
com Portugal secundarizado, as usual).
O Free Exchange do Economist dedicou-lhe peça própria,
o que sinaliza a sua importância. E conclui que a austeridade nesses países discriminou
negativamente os mais jovens, por vias diversas: atacando mais o investimento e
menos a despesa corrente, ou seja, penalizando gerações futuras; atingindo mais
os rendimentos líquidos dos ativos a trabalhar do que os pensionistas; a que
teríamos de acrescentar pelo menos em alguns países a degradação das taxas de
desemprego juvenil. Falei em acha para a fogueira, pois o argumento da justiça intergeracional
é uma matéria que alguns jovens lobos da direita mais liberal costumam acionar
para justificar algumas dimensões de cortes sociais e outras tropelias, focados
nas populações mais envelhecidas. Em meu entender, o tema exige mais investigação
e sobretudo o seu foco no tema da evolução da desigualdade, num espectro se
possível muito largo de situações de desigualdade, não apenas entre gerações
mais velhas e mais novas. Os padrões da desigualdade perseguem caminhos muito
diversificados na União Europeia, já que é suficiente uma investigação
preliminar sobre políticas sociais e de rendimento na UE para compreender que
isso de União é uma grande treta e que encontramos diversidades extremas no seu
seio em matéria de políticas e situações que podem conduzir a padrões de desigualdade
muito diversificados. Mas não pode ignorar-se que o equilíbrio intergeracional é
um grande desafio que pesa sobre uma Europa cada vez mais envelhecida, passível
de rejuvenescimento apenas por forças exógenas.
Noutro plano, o Mainly Macro de Simon Wren-Lewis (SWL) continua o seu trabalho pedagógico, alertando para o modo como
funcionam numa união monetária os mecanismos da competitividade, com a Alemanha
no foco das objeções. O seu raciocínio é simples. Numa economia que funciona em
câmbios flexíveis, com a sua moeda a ser determinada em mercado em função das
procuras e ofertas relativas de divisas, qualquer corte a nível interno de salários
e preços é neutralizado pela apreciação da moeda com a consequente anulação do
ganho de competitividade possibilitado inicialmente pela descida de salários e
preços. Ora, a zona Euro funciona como uma economia em regime de câmbios flexíveis.
Nestas condições, se a Alemanha, representando aproximadamente 1/3 da União
Monetária, descer salários e preços em 3%, então os salários e preços da União
como um todo descerão 1%. Porém, com a apreciação de 1% do euro, acontecem duas
coisas: a União como um todo não ganhou competitividade, embora a Alemanha
tenha ganho competitividade em relação aos seus parceiros europeus de 3% e de
2% em relação ao mundo (3% - 1% de apreciação do euro). A metáfora-exemplo é
muito clara. A Alemanha estará a ganhar competitividade a expensas dos seus
parceiros, embora a União como um todo não beneficie de tal operação. Ou seja,
na prática uma política de “beggar-my-neighbour”,
tão vilipendiada no comércio internacional e afinal praticada no interior de
uma União que deveria estar a salvo de tais tropelias.
O exemplo é pedagógico. O significado da austeridade, disciplina e contenção
alemã não tem o mesmo significado quando considerado no quadro de uma UEM ou
admitindo que a economia alemã funciona isoladamente perdida no mundo económico
global. Por mais que os alemães pareçam assobiar para o lado, eles pertencem a
uma UEM.
Na mesma linha de incapacidade de entender o que é pertencer a uma zona
Euro, Frances Coppola, no seu blogue Coppola
Comment, alerta para a recente reivindicação por parte do Conselho de Peritos
Económicos do Governo Alemão dirigida ao BCE para suspender o programa de quantitative easing em curso e inverter
o seu rumo, ou seja, seguir algo de similar ao que se estima que o FED-USA irá
fazer ainda este mês de dezembro. O argumento utilizado é também similar ao que
os “falcões” americanos têm vindo a utilizar: um período excessivo de taxas de
juro nulas ou negativas cria potencialmente instabilidade financeira pois
levaria os operadores financeiros a procurar investimentos demasiado arriscados.
Frances Coppola desmonta o argumento por duas vias: por um lado, a economia
alemã está longe de poder considerar-se em situação que exija a subida de taxas
de juro de referência; por outro e esse é o argumento do post de hoje, o BCE não
pode definir a sua política de estímulo monetário em função da economia alemã,
antes o deve fazer em função da economia global da zona euro. Esse é o contrato.
Moral da história deste post: há muita matéria em que a força das ideias tem de ser promovida no plano europeu. Os alemães não podem encarar a UEM como algo
que se mobiliza quando dela beneficiamos e que rapidamente se descarta quando a
conversa não lhes agrada. Com esta conceção dos mecanismos europeus não admira
que os eurocéticos trepem por aí acima. Afinal são mais coerentes.
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