quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

SERÃO OS ALEMÃES UNS PARCEIROS LEAIS DA UEM?




(Simon Wren-Lewis vai fundo neste problema)

Os condicionalismos da União Económica e Monetária, com os países membros da zona euro a não poderem usar entre si a desvalorização da moeda como complemento de fator de competitividade, obrigam a que o comportamento económico dos seus membros não possa ser reconduzido a políticas de “beggar-my-neighbour”, prosaicamente políticas agilizadas no sentido de melhor a minha posição à custa da do vizinho também membro da mesma UEM.

Ora, é conhecida a situação alemã na qual os salários alemães se mantiveram com ritmos de crescimento nominal abaixo do observado noutros países membros, ganhando obviamente competitividade em relação a esses mesmos parceiros. Esta situação é particularmente gritante em relação a parceiros da zona euro que enfrentam estrangulamentos de competitividade, tais como as economias do sul que, face a esse contexto, se vêm forçadas a penosos processos de desvalorização interna.

Simon Wren-Lewis no Mainly Macro tem sido um observador atento da política económica alemã no que ela tem de pouco cooperativa com os princípios globais da UEM. A posição alemã tem sido apresentada como decorrente sobretudo da disciplina social e da preparação para enfrentar futuros choques em situação de menor vulnerabilidade e não como uma política deliberada de “beggar-my-neighbour”, utilizando em seu próprio proveito a sua superioridade em termos de produtividade. Ontem, no seu post quase regular, Wren-Lewis traz à discussão a opinião de um dos membros do Conselho de Especialistas Económicos do Governo alemão, Peter Bofinger de seu nome. Pois o que Bofinger vem dizer clarinho, clarinho, é que se tratou afinal de um pacto deliberado, assumido entre outras instituições por centrais sindicais com  grande expressão de representatividade. O pacto estabelecia subidas de salários abaixo dos aumentos da produtividade, celebrados de modo a que esses aumentos de produtividade não fossem deliberadamente canalizados para aumentos de salário real, mas para ser aplicados em acordos, designadamente de investimento, que criassem emprego, fazendo regressar os níveis de desemprego alemão (ainda que muito inferiores às médias europeias) aos valores tolerados pela sociedade alemã.

Não está em causa a bondade da medida que até pode ser interpretada como uma decisão inteligente dos poderes sindicais, defendendo os salários futuros incrementando o emprego. Mas no contexto de uma UEM essa aparente bondade chama-se ganhar em causa própria à custa do parceiro. É que a medida não concertada com os parceiros traduz-se em depreciação relativa da taxa de câmbio real e assim ganhos de competitividade penalizando a competitividade dos parceiros de UEM. Os alemães ganham empregos à custa dos seus parceiros. Se isto não é uma política de “beggar-my-neighbour” vou ali e venho. Trata-se de exercitar disciplina à custa da penosidade dos outros. Ninguém acredita que os alemães não tenham compreendido ainda o funcionamento de uma UEM.

A fotografia de Merkel que abre este post ilustra uma consciência não tranquila, com seguramente os conselheiros económicos da chanceler a auxiliá-la a compreender como é que a zona euro pode ser uma zona de ensaio de políticas de beggar-my- neighbour de nova geração.

P.S. Ontem e hoje tive uma sensação estranha mas agradável de conforto em sentir que o Bloco de Esquerda e o PCP irão constituir interpeladores rigorosos de alguns dos ministros do governo do PS, principalmente do ministro das Finanças, Mário Centeno. Ou muito me engano ou aqueles  cabelos brancos vão ficar mais brancos e aquelas olheiras mais cavadas ainda.

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