(Simon Wren-Lewis vai fundo neste problema)
Os condicionalismos da União Económica e Monetária,
com os países membros da zona euro a não poderem usar entre si a desvalorização
da moeda como complemento de fator de competitividade, obrigam a que o
comportamento económico dos seus membros não possa ser reconduzido a políticas
de “beggar-my-neighbour”, prosaicamente políticas agilizadas no sentido de melhor
a minha posição à custa da do vizinho também membro da mesma UEM.
Ora, é conhecida a situação alemã na qual os salários
alemães se mantiveram com ritmos de crescimento nominal abaixo do observado
noutros países membros, ganhando obviamente competitividade em relação a esses
mesmos parceiros. Esta situação é particularmente gritante em relação a
parceiros da zona euro que enfrentam estrangulamentos de competitividade, tais
como as economias do sul que, face a esse contexto, se vêm forçadas a penosos processos
de desvalorização interna.
Simon Wren-Lewis no Mainly Macro tem sido um observador
atento da política económica alemã no que ela tem de pouco cooperativa com os
princípios globais da UEM. A posição alemã tem sido apresentada como decorrente
sobretudo da disciplina social e da preparação para enfrentar futuros choques
em situação de menor vulnerabilidade e não como uma política deliberada de “beggar-my-neighbour”,
utilizando em seu próprio proveito a sua superioridade em termos de
produtividade. Ontem, no seu post quase regular, Wren-Lewis traz à discussão a opinião
de um dos membros do Conselho de Especialistas Económicos do Governo alemão,
Peter Bofinger de seu nome. Pois o que Bofinger vem dizer clarinho, clarinho, é
que se tratou afinal de um pacto deliberado, assumido entre outras instituições
por centrais sindicais com grande
expressão de representatividade. O pacto estabelecia subidas de salários abaixo
dos aumentos da produtividade, celebrados de modo a que esses aumentos de produtividade
não fossem deliberadamente canalizados para aumentos de salário real, mas para
ser aplicados em acordos, designadamente de investimento, que criassem emprego,
fazendo regressar os níveis de desemprego alemão (ainda que muito inferiores às
médias europeias) aos valores tolerados pela sociedade alemã.
Não está em causa a bondade da medida que até
pode ser interpretada como uma decisão inteligente dos poderes sindicais,
defendendo os salários futuros incrementando o emprego. Mas no contexto de uma
UEM essa aparente bondade chama-se ganhar em causa própria à custa do parceiro.
É que a medida não concertada com os parceiros traduz-se em depreciação relativa
da taxa de câmbio real e assim ganhos de competitividade penalizando a competitividade
dos parceiros de UEM. Os alemães ganham empregos à custa dos seus parceiros. Se
isto não é uma política de “beggar-my-neighbour” vou ali e venho. Trata-se de
exercitar disciplina à custa da penosidade dos outros. Ninguém acredita que os
alemães não tenham compreendido ainda o funcionamento de uma UEM.
A fotografia de Merkel que abre este post ilustra
uma consciência não tranquila, com seguramente os conselheiros económicos da
chanceler a auxiliá-la a compreender como é que a zona euro pode ser uma zona
de ensaio de políticas de beggar-my- neighbour de nova geração.
P.S. Ontem e hoje tive uma sensação estranha mas agradável de conforto em sentir que o Bloco de Esquerda e o PCP irão constituir interpeladores rigorosos de alguns dos ministros do governo do PS, principalmente do ministro das Finanças, Mário Centeno. Ou muito me engano ou aqueles cabelos brancos vão ficar mais brancos e aquelas olheiras mais cavadas ainda.
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