(Tom Jansen, http://www.trouw.nl)
(Peter Schrank, http://www.economist.com)
Nova incursão bruxelense, desta vez excecionalmente pouco chuvosa para a época do ano, e até solheira (pese embora o ar frescote), talvez para que assim retenhamos que o aquecimento global continua em discussão nessa aturdida Paris aqui bem perto.
Andar pela “capital da Europa” em pleno bairro das Instituições – visivelmente diferenciada agora pelos indisfarçados dispositivos militares e policiais que pululam – é sempre um happening de encontros fortuitos, embora nem sempre os mais apreciáveis. Refiro-me, ilustrando concretamente com um caso destes dias, ao pouco recomendável líder do UKIP britânico, Nigel Farage, que caminhava falando ao telemóvel junto ao “Parc Léopold” quando com ele me cruzei, não sem experimentar um pequeno tremor de repugnância. Poderia ainda referir-me a essa grande figura parlamentar e política portuguesa chamada Marinho e Pinto com que me deparei a fazer despacho no bar do Rato Mickey. Ou ainda, mas obviamente já num registo diferente, ao ministro grego das Finanças, Euclid Tsakalotos, que na companhia do habitual e inconfundível séquito ministerial de assessores e similares entrou no elevador de que eu saía no décimo-quarto andar da área de gabinetes do edifício do Parlamento Europeu.
Depois, bem, depois há sempre coisas a acontecerem, algumas até interessantes em si próprias. Foi desta vez o caso de um debate organizado pelo Grupo S&D em torno da reforma dos “recursos próprios” da União Europeia (UE) e animado por Mario Monti e por Ivailo Kalfin, nas suas qualidades de chair e membro do tripartido High Level Group (três comissários, três parlamentares e três representantes do Conselho mais Monti) nomeado em janeiro de 2014. No centro das atenções a necessidade de ser revisto o corrente sistema de financiamento do orçamento comunitário, tendo presentes as suas variadas deficiências e inconsistências bem assim como os conhecidos bloqueamentos adicionais que revela perante um novo enquadramento, também geopoliticamente inédito e desafiante, de globalização, moeda única e baixo crescimento. Mesmo tendo Monti evidenciado quão hipócrita, pouco transparente, injusto e pouco democrático é o atual sistema e quanto ele contribui para dar aos cidadãos a impressão de uma UE a funcionar como um jogo de soma zero, o certo é que ficou bem patente que as urgências de Bruxelas não são iguais às urgências de outros locais – o grupo só apresentará um relatório final em dezembro de 2016 e só ao longo de 2017 a Comissão está comprometida a elaborar uma proposta legislativa formal para apreciação, negociação e eventual decisão. E, para lá disto tudo, Monti foi muito claro em relação ao que espera conseguir junto de um Conselho que capturou largamente os equilíbrios que marcavam o “método comunitário”: to find keys of political persuation, assim se exprimiu...
Acresce que esta estava para ser, uma vez mais, a semana da aprovação de uma taxa sobre transações financeiras na Europa (vulgo taxa Tobin). E até foi por causa dessa possível chegada a um acordo – apesar da oposição terminante do Reino Unido em relação a um qualquer avanço, ameaçando até com o recurso ao Tribunal de Justiça Europeu, dez países (incluindo Portugal e após recuo da Estónia) tinham uma base de entendimento para serem taxadas transações intradiárias de ações e produtos derivados, mesmo sem estarem clarificados o valor da taxa, o destino das receitas, alguns critérios de aplicação ou os impactos económicos e sobre os sistemas de pensões – que o comissário Moscovici faltou, à última hora, à mesa-redonda a que acabei de aludir no parágrafo precedente. Afinal, falso alarme e novo adiamento de uma matéria que já vai em mais de quatro anos de árduas negociações e de que começa a duvidar-se se algum dia conhecerá fumo branco. Um exemplo dos lentos tempos de uma construção europeia em transição da perda de rumo para o declínio, quiçá final.
Mas o episódio mais pitoresco aconteceu-me no encontro totalmente fortuito, mas indeclinável pela circunstância, com um parlamentar europeu francês (investiguei, depois, que o seu nome é Jean-Luc Schaffhauser e que o seu percurso político e profissional é complexo e controverso a diversos títulos) que acabara de chegar da Alsácia mais ou menos à mesma hora que nós. O seu discurso – palavroso e convicto – e a sua assumida pose de estadista tinham laivos de alguma coerência interna: um fanático do patriotismo à la française, um fervoroso antiamericano e consequente adepto de um mundo multipolar (com manifestas aberturas em relação à Rússia), um partidário de uma construção europeia totalmente oposta à da atual Europa alemã, um crítico das estratégias dominantes de favorecimento discricionário da finança, um militante do relançamento económico por via do investimento público e produtivo, um defensor do social acima de todas as restantes dimensões da intervenção política, uma pessoa com ligações sólidas com a Igreja. Abstraindo de alguns exageros, eventualmente limáveis, estava eu perante um socialista de base humanista ou um democrata-cristão dos velhos tempos? Pois, acreditem ou não, o homem representa o “Rassemblement Bleu Marine”, uma coligação de partidos ditos soberanistas, criada num quadro promovido pela Frente Nacional. Ou seja, e recorro aqui a uma tese que alguém próximo há algum tempo me vinha veiculando: xenofobias e outros radicalismos à parte, algumas das linhas diretrizes da lógica programática avançada por esta zona da extrema-direita correspondem a uma apropriação em seu favor de um ideário que poderia ser o de uma esquerda moderada europeia que não se tivesse deixado aprisionar nas malhas de uma subordinação da sua autonomia própria a compromissos inconsequentes com a direita ultraliberal e os mercados – uma perceção que assim se me revelou cristalinamente e da forma mais concreta...
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