segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

LES MONDIALISTES ET LES PATRIOTES




(No rescaldo ideológico da ascensão com derrota da Frente Nacional)

Não faço a mínima ideia sobre a estrutura de pensamento político, económico e social que rodeia Marine Le Pen e a sua ascensão política numa França pronta para o melhor e para o pior. Mas no discurso de derrota de ontem, feito a pensar claramente nas eleições presidenciais de 2017, onde se fará o verdadeiro ajuste de contas, Marine saiu-se com a expressão da nova clivagem política em França, arrasando a velha dicotomia entre esquerda e direita e estabelecendo uma outra, a dos mundialistas versus os patriotas. A coisa tem que se lhe diga e não pode ser afastada para baixo do tapete, como algo que está à partida condenado por sair da boca daquela mulher dura e provocadora. A dicotomia proposta por Marine prende-se com o grande debate que grande parte da esquerda, diria quase toda, se mostra incapaz de assumir frontalmente. E que consiste em discutir os rumos da globalização, discutindo-os do ponto da sua supressão (esquerda mais radical) ou reforma (esquerda mais reformista) não ignorando o seu impacto no lugar que se pretende continuar a dar ao Estado-nação e à prevalência dos interesses nacionais (e que interesses nacionais, atendendo à intensificação da desigualdade a que se tem assistido).

Não posso deixar de estabelecer aqui um paralelismo óbvio com os contornos do velho debate entre esquerda e direita. Também nesse debate algum reformismo se meteu pelo meio para condenar o facto dele ter estado demasiado tempo preso às incidências do mercado (aceitar ou não as suas regras). O reformismo, designadamente o chamado socialismo democrático, sempre tentou demonstrar que era possível conviver com o funcionamento desse mercado, corrigindo-o em função das suas falhas, designadamente da sua incapacidade de compreender as externalidades sociais (positivas e negativas) provocadas pelo investimento privado e pelas estratégias empresariais também privadas. Hoje, na dicotomia “les mondialistes et les patriotes”, também existe a necessidade de uma perspetiva de equilíbrio reformista entre aqueles extremos, combatendo o nacionalismo primário (feito em função de que interesses, sabe-se lá) e a liberalização mundializada feroz, ou seja uma perspetiva reformista para a globalização. O problema é que como estão hoje as coisas lançadas essa alternativa de equilíbrio reformista não é apenas à França que a cabe desenvolver, exige outra escala e não se vislumbram personalidades e pensamentos capazes de a promover como Keynes entre outros labutou para tornar possível a ordem do sistema de Bretton Woods. É pelo menos ao nível da União Europeia ou ao nível do G20 ou GGG’s de menor dimensão que essa questão tem de ser lançada, não me perguntem por quem. Enquanto não se vislumbrarem sinais de que tal evolução é possível, as Marines deste mundo que se expressem em francês ou em qualquer outra língua irão proliferar e encontrar condições para o rastilho se desenvolver. Por isso dizia ontem que o efeito das “barrages” políticas erguidas em França funcionou a curto prazo, mas o verdadeiro resultado dessas “barrages” medir-se-ão pelo impacto que a ameaça terá produzido nas instituições europeias. E não estou certo que esses resultados venham nesse espaço a produzir-se.

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