(No rescaldo ideológico da ascensão com derrota da Frente Nacional)
Não faço a mínima ideia sobre a estrutura de pensamento político, económico
e social que rodeia Marine Le Pen e a sua ascensão política numa França pronta
para o melhor e para o pior. Mas no discurso de derrota de ontem, feito a
pensar claramente nas eleições presidenciais de 2017, onde se fará o verdadeiro
ajuste de contas, Marine saiu-se com a expressão da nova clivagem política em
França, arrasando a velha dicotomia entre esquerda e direita e estabelecendo
uma outra, a dos mundialistas versus os patriotas. A coisa tem que se lhe diga
e não pode ser afastada para baixo do tapete, como algo que está à partida
condenado por sair da boca daquela mulher dura e provocadora. A dicotomia
proposta por Marine prende-se com o grande debate que grande parte da esquerda,
diria quase toda, se mostra incapaz de assumir frontalmente. E que consiste em
discutir os rumos da globalização, discutindo-os do ponto da sua supressão (esquerda
mais radical) ou reforma (esquerda mais reformista) não ignorando o seu impacto
no lugar que se pretende continuar a dar ao Estado-nação e à prevalência dos
interesses nacionais (e que interesses nacionais, atendendo à intensificação da
desigualdade a que se tem assistido).
Não posso deixar de estabelecer aqui um paralelismo óbvio com os contornos
do velho debate entre esquerda e direita. Também nesse debate algum reformismo se
meteu pelo meio para condenar o facto dele ter estado demasiado tempo preso às
incidências do mercado (aceitar ou não as suas regras). O reformismo,
designadamente o chamado socialismo democrático, sempre tentou demonstrar que era
possível conviver com o funcionamento desse mercado, corrigindo-o em função das
suas falhas, designadamente da sua incapacidade de compreender as externalidades
sociais (positivas e negativas) provocadas pelo investimento privado e pelas
estratégias empresariais também privadas. Hoje, na dicotomia “les mondialistes et les patriotes”, também
existe a necessidade de uma perspetiva de equilíbrio reformista entre aqueles
extremos, combatendo o nacionalismo primário (feito em função de que interesses,
sabe-se lá) e a liberalização mundializada feroz, ou seja uma perspetiva
reformista para a globalização. O problema é que como estão hoje as coisas lançadas
essa alternativa de equilíbrio reformista não é apenas à França que a cabe desenvolver,
exige outra escala e não se vislumbram personalidades e pensamentos capazes de a
promover como Keynes entre outros labutou para tornar possível a ordem do
sistema de Bretton Woods. É pelo menos ao nível da União Europeia ou ao nível
do G20 ou GGG’s de menor dimensão que essa questão tem de ser lançada, não me
perguntem por quem. Enquanto não se vislumbrarem sinais de que tal evolução é
possível, as Marines deste mundo que se expressem em francês ou em qualquer
outra língua irão proliferar e encontrar condições para o rastilho se
desenvolver. Por isso dizia ontem que o efeito das “barrages” políticas erguidas
em França funcionou a curto prazo, mas o verdadeiro resultado dessas “barrages”
medir-se-ão pelo impacto que a ameaça terá produzido nas instituições europeias.
E não estou certo que esses resultados venham nesse espaço a produzir-se.
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