(Mais,
muito mais do que saber se o PP persistirá no poder.)
As eleições legislativas espanholas que amanhã se
realizam acontecem com algumas certezas e muitas interrogações. A principal certeza,
tanto quanto o comportamento eleitoral está bem descrito pelas sucessivas sondagens
realizadas e a maioria absoluta de uma só força política parece afastada, é que
terminará um ciclo de polarização e alternância entre o PP e o PSOE. O
aparecimento em cena de forças políticas como o CIUDADANOS e o PODEMOS baralhará
essa bipolarização e abrirá para novas combinações políticas.
Mas para além dessa eventual certeza confirmada pelas
urnas, na eleição de amanhã estarão em jogo algumas questões bem mais
relevantes, algumas das quais suscetíveis de nos clarificar os traços mais profundos
do eleitorado espanhol e indiretamente da sociedade que vota.
A primeira questão em jogo dessa natureza pode reduzir-se
à seguinte formulação interrogativa: será que uma força política que foi o rosto da austeridade
mais ofensiva e que simultaneamente se cobriu de “glória” com os casos mais rocambolescos
de corrupção a todos os níveis, nacional, regional, local e empresarial, pode não
perder o poder ajudada por melhorias macroeconómicas que estão longe de apagar
as marcas indeléveis da crise? Esta possibilidade é real. O PP
perderá muito provavelmente a maioria absoluta, mas pode não perder o poder. Basta
para isso que consiga uma aliança de governo com o CIUDADANOS, baseada por
exemplo na obrigatoriedade do PP cortar a direito em direção à sua envolvente
corrupta e garantindo ao PP algum apoio na gestão da questão catalã. Não se
trata de uma solução inverosímil. É capaz de ser até a mais provável de todas. O
que não será indiferente para as teses austeritárias e para a sua eventual
capacidade de gestão política dos danos impostos.
A segunda questão, não menos importante para a clarificação
da direita espanhola, pode ser assim formulada: pode uma formação política de direita,
nascida da cultura empresarial catalã e não comprometida com as sombras da
corrupção clientelar espanhola, aspirar a influenciar decisivamente os rumos da
política espanhola, contribuindo para a modernização do PP e enterro dos focos
de corrupção mais salientes? A resposta é também afirmativa, tudo
dependendo da votação que o CIUDADANOS alcançar.
A terceira questão prende-se com os rumos do socialismo
democrático em Espanha. Podemos formulá-la assim: desperdiçará o PSOE a oportunidade única de
capitalizar os danos da austeridade e o levantamento do manto da corrupção do
PP, sobretudo pelo facto de não ter conseguido distanciar-se dos focos de corrução
que albergou desde os tempos de Felipe González? A minha intuição é
afirmativa. O PSOE vai provavelmente falhar a oportunidade e dificilmente se
levantará nos próximos tempos.
Finalmente, uma questão em jogo em torno do PODEMOS: será que um partido
antissistema pode influenciar o xadrez político da governação em Espanha, dando
sequência a uma combinação surpreendente entre ciência política de esquerda e
indignados? Já estive mais certo disso.
A vinheta de El ROTO acolhida pelo meu colega de blogue e
que perfilho, com aqueles traços de gente que sobe e desce nas escadas rolantes
das grandes superfícies comerciais, simboliza bem o novo antídoto para as consequências
reivindicativas da desigualdade – o crédito. E a grande questão que resulta
daqui é a de saber se uma recuperação macroeconómica, enviesada, desequilibrada
e socialmente injusta é por si só capaz de repor essa ilusão do crédito e assim
assegurar a permanência no poder de quem manejou os instrumentos da
austeridade.
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