(Ou como a cópia rasca é sempre mais vulnerável do que o original mesmo que
imperfeito)
A crónica anunciada da falência do chavismo venezuelano era há muito
conhecida. Estava traçada no modelo económico deixado por Hugo Chávez e retomado
de forma ainda mais atamancada pela réplica do sucessor Maduro. Face aos estrangulamentos
estruturais do modelo, fortemente agravados pela prolongada descida do preço do
petróleo, com os próprios sauditas a não restringir produção, nem a beatificação
imagética de Chávez salvaria Maduro, embora este tudo tenha explorado para cavalgar
durante algum tempo a imagem de El Comandante.
O chavismo, tal como todos os populismos mais ou menos revolucionários de
esquerda, com diferenciações entre eles, mas com similaridades muito fortes, afirma-se
inicialmente pelas melhorias de condições de vida das populações mais
desfavorecidas, regra geral sobre-exploradas pelos regimes que o populismo
combateu e derrotou. É dessa melhoria generalizada de condições de vida, financiadas
neste caso pelas receitas do petróleo, que é construída a base popular de apoio
do populismo de esquerda. O problema é que essa melhoria efetiva e generalizada
das condições de vida é, em regra, acompanhada pela emergência do nepotismo e
concentração de privilégios que vão sendo financiados enquanto o El Dorado
persistir. No caso venezuelano, esta interação entre aumento do bem-estar material
dos mais desfavorecidos e o aprofundamento do nepotismo de esquerda tinha os
dias contados, sobretudo porque a partir de certo momento o ritmo de melhorias
dos mais pobres começa a desacelerar e o nepotismo nem por isso.
Acresce que, no caso venezuelano, a burguesia industrial e compradora permaneceu
ativa, mesmo que acomodada entre negócios no exterior e negócios internos, e
resistiu tanto mais aos avanços do chavismo quanto menos esse chavismo conseguiu
introduzir na economia venezuelana uma menor vulnerabilidade face às receitas
do petróleo. Essa burguesia, cuja população mais jovem foi dominantemente
educada nas melhores universidades americanas, foi resistindo, lamentando-se
sempre, mas não deixando de assegurar os seus negócios, convicta de que seria por
via da concentração petrolífera que o regime iria baquear. E depois convicta
também de que a auréola original de Hugo Chávez não seria capitalizada por uma
réplica mais tosca. É claro que uma deriva autoritária da réplica mais tosca poderia
colocar o país em estado de sítio, não sabendo ainda em que termos o chavismo de
Maduro reagirá à perda do controlo parlamentar e até a uma eventual alteração
do quadro constitucional, pois anuncia-se que a diversificada oposição terá
mais de 2/3 dos assentos parlamentares.
A crónica anunciada da queda dos nepotismos de esquerda é também conhecida,
salteada com mais ou menos violência. Mas pelo que é conhecido, regra geral o grande
perdedor destes processos é a deterioração das condições de vida dos mais
desfavorecidos que, desprotegidos, pouco qualificados, tenderão a perder posições
nessa transição para uma economia de mercado não necessariamente comandada pelas
receitas do petróleo. O período de tempo que normalmente medeia até o novo
funcionamento da economia lhes retribuir de novo parte do que o populismo de
esquerda lhes concedeu é normalmente muito longo. Mas o determinismo em história
não existe. Existem apenas ensinamentos que podem constituir regularidades, mas
não necessariamente.
Para observação futura.
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