sábado, 26 de dezembro de 2015

A PERDA DE PODER DE COMPRA FACE AOS SERVIÇOS BÁSICOS




(Breves notas sobre algumas dimensões de desvalorização interna centradas nos serviços básicos)

A ideia de que as economias que funcionam com moeda própria sofrem frequentemente de ilusão monetária está muito generalizada. A depreciação da moeda vem acompanhada de subidas dos preços de importação e com elas as perdas de poder de compra que atuam como uma espécie de ilusão monetária. Pelo contrário, em economias que não funcionam com moeda própria, como se observa nas economias da zona euro, está também disseminada a ideia de que os ganhos de competitividade não podem ser acionados por manipulação monetária, exigindo a chamada desvalorização interna, ou seja baixas de remunerações salariais, voluntariamente aceites ou na maioria das vezes impostas pelos processos de ajustamento.

Em época em que o comportamento médio dos preços se aproxima mais das condições deflacionárias do que o seu contrário, seria de esperar que, sendo interrompidos os cortes salariais, a probabilidade de ocorrência de processos de desvalorização interna se reduza substancialmente. Porém, os processos de deflação ou de inflação respeitam ao comportamento de uma média de preços, e há mesmo a distinção usual entre a chamada core inflation (que retira do índice de preços algumas mercadorias como os produtos da energia) e a inflação geral que não realiza essa segmentação de preços e de produtos. E uma média de preços esconde muitas variações que podem causar surpresas muito desagradáveis.

O Diário de Notícias on line dá conta de um fenómeno dessa natureza na economia portuguesa, quando compara o crescimento quase insignificante dos salários com o comportamento de alguns preços de serviços básicos, designadamente de algumas utilities, como o são o preço dos transportes públicos, do saneamento básico, da eletricidade ou da recolha de lixo. Todos estes setores são claramente transacionáveis e é cada vez mais claro que as regras da concorrência no seu seio são praticamente inexistentes. O jornal, baseado em informação INE, dá conta de alguns aumentos de preços entre 2011 e 2015 de grande expressão, claramente desconformes face aos magros aumentos salariais. Quer isto significar que face a essas categorias de serviços básicos, o mundo do trabalho experimentou uma arrepiante perda de poder de compra. Por outro lado, ponderado pelo peso que estes bens assumem no consumo per capita de quem aufere salários, se os aumentos observados nesses serviços básicos forem superiores aos observados em países como a Espanha, Itália e outros, isso significa que Portugal perdeu competitividade na zona euro em relação a esses países, ainda que se tivesse mantido com padrões de moderação salarial. Os economistas chamam a esse fenómeno apreciação da taxa de câmbio real e ele é inequivocamente um elemento de perda de competitividade em relação a essas economias que partilham connosco o euro.

Se pensarmos um pouco, rapidamente concluímos que se trata de setores em que se registaram processos de privatização e a subida de preços foi uma espécie de cartão convite à recetividade das privatizações. Abrigados por uma ausência de concorrência real que prolonga os problemas organizacionais e os défices de produtividade, tais organizações repercutem para o consumo realizado a partir de salários com crescimento moderado as suas quebras de eficiência e os seus problemas organizacionais.

Afinal, mesmo sem moeda própria, a ilusão monetária também está ativa, embora oculta na média de preços. E o que é mais grave é que essa subida desmesurada de preços afagou a privatização. E aí está mais um efeito perverso do ajustamento que nos impuseram.

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