(Breves
notas sobre algumas dimensões de desvalorização interna centradas nos serviços
básicos)
A ideia de que as economias que funcionam com moeda própria sofrem
frequentemente de ilusão monetária está muito generalizada. A depreciação da
moeda vem acompanhada de subidas dos preços de importação e com elas as perdas
de poder de compra que atuam como uma espécie de ilusão monetária. Pelo contrário,
em economias que não funcionam com moeda própria, como se observa nas economias
da zona euro, está também disseminada a ideia de que os ganhos de competitividade
não podem ser acionados por manipulação monetária, exigindo a chamada desvalorização
interna, ou seja baixas de remunerações salariais, voluntariamente aceites ou
na maioria das vezes impostas pelos processos de ajustamento.
Em época em que o comportamento médio dos preços se aproxima mais das
condições deflacionárias do que o seu contrário, seria de esperar que, sendo
interrompidos os cortes salariais, a probabilidade de ocorrência de processos
de desvalorização interna se reduza substancialmente. Porém, os processos de
deflação ou de inflação respeitam ao comportamento de uma média de preços, e há
mesmo a distinção usual entre a chamada core inflation (que retira do índice
de preços algumas mercadorias como os produtos da energia) e a inflação geral
que não realiza essa segmentação de preços e de produtos. E uma média de preços
esconde muitas variações que podem causar surpresas muito desagradáveis.
O Diário de Notícias on line dá
conta de um fenómeno dessa natureza na economia portuguesa, quando compara o
crescimento quase insignificante dos salários com o comportamento de alguns
preços de serviços básicos, designadamente de algumas utilities, como o são o preço dos transportes públicos, do
saneamento básico, da eletricidade ou da recolha de lixo. Todos estes setores são
claramente transacionáveis e é cada vez mais claro que as regras da concorrência
no seu seio são praticamente inexistentes. O jornal, baseado em informação INE,
dá conta de alguns aumentos de preços entre 2011 e 2015 de grande expressão,
claramente desconformes face aos magros aumentos salariais. Quer isto significar
que face a essas categorias de serviços básicos, o mundo do trabalho experimentou
uma arrepiante perda de poder de compra. Por outro lado, ponderado pelo peso que
estes bens assumem no consumo per capita
de quem aufere salários, se os aumentos observados nesses serviços básicos
forem superiores aos observados em países como a Espanha, Itália e outros, isso
significa que Portugal perdeu competitividade na zona euro em relação a esses
países, ainda que se tivesse mantido com padrões de moderação salarial. Os
economistas chamam a esse fenómeno apreciação da taxa de câmbio real e ele é inequivocamente
um elemento de perda de competitividade em relação a essas economias que partilham
connosco o euro.
Se pensarmos um pouco, rapidamente concluímos que se trata de setores em
que se registaram processos de privatização e a subida de preços foi uma espécie
de cartão convite à recetividade das privatizações. Abrigados por uma ausência
de concorrência real que prolonga os problemas organizacionais e os défices de
produtividade, tais organizações repercutem para o consumo realizado a partir
de salários com crescimento moderado as suas quebras de eficiência e os seus
problemas organizacionais.
Afinal, mesmo sem moeda própria, a ilusão monetária também está ativa,
embora oculta na média de preços. E o que é mais grave é que essa subida
desmesurada de preços afagou a privatização. E aí está mais um efeito perverso do
ajustamento que nos impuseram.
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