(Quando a estabilidade do sistema financeiro internacional está dependente do
tom das palavras dos governadores ou da imprevisibilidade interpretativa dos
mercados isto vai de mal a pior)
BCE, analistas financeiros e mercados andaram a semana passada de candeias às
avessas, com o dólar, o mercado de ações e de títulos a suportarem uma forte
correção em baixa após o pronunciamento público de Draghi na passada quinta-feira.
A intervenção de Draghi e a decisão comunicada do BCE foi interpretada como
sinal de intermitência nas posições anteriormente anunciadas pelo governador
Draghi de fazer tudo o que for necessário para combater eventuais riscos de
deflação que voltem a manifestar-se.
Que algo se passou parece hoje não haver dúvida. E a melhor prova é a tentativa
de correção da mensagem comunicacional no dia seguinte no Clube Económico de Nova
Iorque, numa espécie de traço simbólico que Gavyn Davies tão bem registou noFinancial Times. Draghi parece de facto mais solto e descomprometido quando
fala fora do território europeu, o que não deixa de ser um indicador indireto
ou uma mensagem subliminar do governador.
O mesmo Gavyn Davies anota duas possíveis razões para a aparente incoerência
comunicacional de “forward guidance” em
que o BCE terá incorrido. Uma mais verrinosa, teria que ver com problemas de
formação da decisão no interior do conselho decisório do BCE. O representante do
Bundesbank teria conseguido influenciar mais opositores do que o esperado e
teria havido problemas na decisão de estender e intensificar o programa de quantitative easing. A interpretação
mais benigna seria associada a um eventual conhecimento de novidades mais
promissoras na cena dos indicadores de referência, sejam os problemas da China,
sejam ainda as perspetivas mais animadoras de crescimento na própria União Europeia.
A primeira das interpretações parece não ter consistência dada a afirmação de
Draghi de que a decisão de quinta-feira passada foi tomada com uma larga maioria
e aqui se compreende também como bem mais transparente é o processo de tomada
de decisão do FOMC do FED – USA em que se conhece com pormenor o que os
governadores assumem na decisão que leva ao comunicado final.
Mas que o BCE não antecipou o tipo de reação dos mercados é de todo evidente
sobretudo a partir da leitura da intervenção de Draghi em Nova Iorque.
Com estas leituras de hoje, dou comigo a pensar que em nome da estabilidade
financeira e dos mercados muita coisa foi vendida e imposta designadamente a países
como Portugal que, pela sua dimensão, estão longe de poder influenciar com
relevo os tais mercados. Só na presunção bafienta de um Portas ou na santa
ignorância de um Passos se pode compreender essa perspetiva de que os sacrifícios
dos portugueses tiveram o condão de sossegar os espíritos intranquilos dos
mercados. Afinal, os ditos parecem reagir mais à sintaxe de Draghi e dos
comunicados. Por este andar, chegaremos ao despautério do tom do comunicado e
das respostas na conferência de imprensa influenciar mais os tais espíritos do
que a consistência das contas.
Sem comentários:
Enviar um comentário