(Ou como mais
uma votação pós ajustamentos de austeridade coloca o centro da política no parlamento)
(Nota: texto corrigido após resultados finais)
Com 100% dos votos escrutinados, as eleições espanholas fragmentam o parlamento nacional, mas centram neste último os desafios para a constituição de um governo. Três grandes blocos estão formados, mas paradoxalmente sem qualquer consistência no interior de cada um deles: 163 deputados para PP e CIUDADANOS, 159 para PSOE e a amálgama de agrupamentos PODEMOS e 26 deputados nacionalistas divididos em cinco forças políticas, duas na Catalunha, duas no País Vasco e uma nas Canárias, às quais se juntam dois deputados da Esquerda Unida.
Alguns factos merecem destaque particular.
O PP leva um rombo significativo em matéria de votos e
deputados mas resiste mais do que imaginava aos danos colaterais da austeridade,
largamente alicerçado na recuperação mesmo que desequilibrada da economia espanhola.
Mas perde a arrogância da maioria absoluta, começou a noite eleitoral a fazer
um discurso à Portas e a chamar perdedores aos seus adversários, incluindo o
CIUDADANOS e terminou-a a apelar a uma grande coligação contra o PODEMOS.
O PSOE terá perdido a sua grande oportunidade de se
afirmar como força política maioritária em Espanha, viu o PODEMOS morder-lhe os
calcanhares em termos de votos e a humilhação desta força ganhar em territórios
de causas nacionalistas (Catalunha e País Vasco, embora neste último caso apenas
em termos de votos e não de deputados). O ter resistido ou ter perdido é a
velha questão do copo meio cheio ou meio vazio. No meu entender, o PSOE está na
charneira da irrelevância política ou da sua reafirmação.
O PODEMOS resistiu surpreendentemente à queda que vinha
manifestando em termos de sondagens desde as europeias e passa a contar com cerca
de 69 deputados para a negociação política no parlamento. É difícil antecipar se
tem ainda crescimento ou se, pelo contrário, o terreno da negociação o vai
desgastar.
O CIUDADANOS face às expectativas criadas é um grande
derrotado a começar pela Catalunha. Os eleitores do PP terão resistido a uma
mensagem de direita anticorrupção.
Finalmente, nada de muito relevante na frente
nacionalista. Apenas com resultados para meditar na Catalunha. A formação representativa
do PODEMOS, afirmando a necessidade da reorganização territorial do Estado espanhol,
ganhou as eleições na região com uma diferença assinalável, com quase um milhão
de votos, superando a Esquerda Republicana e a nova formação que sucede à
Convergência e União de Mas.
Tudo baralhado, conclui-se que o bipartidarismo está
significativamente tocado, mas não morto, afinal PP e PSOE junto têm mais de duzentos
deputados, e os partidos emergentes estão longe ainda de poder marcar a
negociação, embora possam influenciá-la. Não imagino como é que o PP possa
governar. Cenarizemos, para uma maioria absoluta que exige pelo menos 176
deputados:
- PP + CIUDADANOS + Nacionalismo das Canárias (123 + 40 + 1 =163 deputados), insuficiente e não se vislumbra como é que Esquerda Unida, nacionalistas catalães e vascos possam mesmo por abstenção viabilizar a investidura de Rajoy;
- PSOE + PODEMOS + Nacionalismo Vasco + Esquerda Unida (90 + 69 + 14 + 2 =175).
Admitindo que os nacionalismos catalães da Esquerda
Republicana e da Democracia e Liberdade não pactarão com quem é contrário ao
projeto independentista, a viabilidade de formação de uma maioria parlamentar
passa à direita ou à esquerda pela captação de voto dos restantes partidos
nacionalistas. Ironia das ironias.
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