quinta-feira, 31 de outubro de 2013

EUROPEÍSMOS (X)

(Ingram Pinn, http://www.ft.com)


Enquanto Merkel ia negociando o acordo de governação com o SPD que lhe garantirá mais quatro anos de poder, este mês trouxe duas revelações surpreendentes ma non troppo: por um lado, a ameaça de um obstaculizante e perigoso Tea Party europeu liderado pela extrema-direita e por variadas roupagens de eurocéticos já na próxima Primavera (eleições para o Parlamento Europeu); por outro lado, a confirmação de que se encontram cada vez mais em risco a segurança e privacidade dos cidadãos, com as escutas da NSA a atingirem máximos improváveis de despudor ou a serem uma história muito mal contada e com muito mais por contar. A crise económico-financeira propriamente dita, essa, volta em novembro...

TUDO LHE ACONTECE



Não se trata de fixação obsessiva nem de perseguição maléfica. Mas tudo acontece a um desesperado Rajoy.
Apesar de estar barata e algum investimento estrangeiro esteja a regressar, a Espanha está pelas ruas da amargura no recente relatório do Banco Mundial “DoingBusiness”. A economia espanhola cai do 44º lugar para o 52º em 185 países do ponto de vista do indicador global condições para a realização de negócios. Mas o pior é a sua posição (de 136º para 142º) em matéria de celeridade de constituição de uma empresa, abaixo de países como, pasme-se, Uzbequistão, a Zâmbia ou o Sudão do Sul.
A modernidade do PP tem o verniz a estalar por todos os lados.

CHRISTINA DISSE …



Como já fiz repetidas vezes perceber, há um conjunto de economistas que sigo regularmente, anotando o seu contributo para compreender a situação atual, um dos períodos mais desafiantes em matéria de saber porque é que a “ciência” económica é tão pouco consistente na racionalização da política económica. Chamem-lhe pragmatismo, confiança ou outra coisa qualquer. Christina D. Romer (e por vezes também o seu marido David Romer) é um desses casos de aposta segura, sobretudo no que respeita ao estudo da política monetária, seja da história recente, seja da história económica mais remota. É um ativo seguro, de risco muito baixo, diz com a minha maneira de estar e, essencialmente, é uma economista honesta e rigorosa. Não está refém de qualquer posição ideológica, é segura e transparente na evidência com que trabalha e, sobretudo, não se dá ares de gente importante, apesar de ter feito as malas de Berkeley para Washington, há uns tempos atrás, para chefiar o grupo de economistas de Obama e travar, perdendo parcialmente, com outros falcões que integraram esse grupo (particularmente Lawrence Summers) uma das mais duras batalhas da política económica recente, que consistiu em definir a magnitude do estímulo fiscal da economia americana pós Lehman Brothers a propor ao Congresso. Regressou a Berkeley cerca de dois anos depois e nem por isso a sua postura de rigor, modéstia e honestidade intelectual se alterou.
Esta semana, 25 de outubro, Christina falou e, como sempre, há matéria que o debate económico atual não pode ignorar. Este é o indicador marcante do impacto de quem fala. Na Sumerlin Lecture da John Hopkins University, Christina Romer sistematiza com a clareza e lucidez habituais as lições que se podem retirar da prática da política monetária no pós crise, retirando daí as consequências pertinentes em matéria de estratégia de intervenção fundamentada por tais ensinamentos. Perdoem o vício anglo-saxónico, mas esta é a orientação que me agrada: “theoretically informed, evidence-based, policy oriented and learning by evaluating”.
Lição nº 1 – A penosidade gravosa das crises financeiras é para ter em conta e não para ser reconhecida apenas como facto empírico. A estabilidade do sistema financeiro não pode estar permanentemente ameaçada pela permissividade ou faz de conta e, para além de práticas de regulação à prova de bala, é necessário assegurar exigências inequívocas de capitalização por parte dos acionistas mais representativos, cujas vantagens são hoje reconhecidas como incomparavelmente superiores aos inconvenientes que podem gerar. A criatividade com o dinheiro dos outros é perigosa. Mais vale prevenir a tentação do que tentar remediá-la.
Lição nº 2 – Fazer política monetária em contexto de taxas de juro de referência praticamente nulas (o já célebre “zero lower bound”) exige estratégias de maior rotura do que a generalidade dos macroeconomistas tende a admitir. Seja por via da consideração de metas de inflação de referência mais elevadas (sobretudo em contextos de produto real bastante abaixo do produto potencial), seja por via de estímulos fiscais ágeis e de magnitude elevada, o “zero lower bound” não pode ser afrontado com políticas temerosas e inibidas pelo risco inflacionário ou pelo equilíbrio orçamental a todo o preço. É em tempo de vacas gordas que o peso da dívida deve ser reduzido (Guterres e Sócrates lembrem-se disto).
Lição nº 3 – A gestão das expectativas é crucial e praticá-lo exige competência e sobretudo não pode ser realizada com elefantes ou desastrados em lojas de porcelana ou gente de protagonismo fácil (com quem é que o PS conta em matéria de ministro das Finanças para interagir com o comedido Carlos Costa no Banco de Portugal? Seja por via da gestão sóbria das expectativas quanto às taxas de juro nominais a curto prazo, seja por via da gestão de expectativas de crescimento, fazê-lo implica como o casal Romer tem defendido uma clara mudança de “regime”, ou seja ser consistente na demonstração de que as coisas vão mudar. A governação da atual maioria é um caso de estudo do ponto de vista da sua inconsistência de gestão de expectativas. O desconchavo é inimigo da consistência. Não há mudança de “regime de expectativas” com tanto cacarejar dissonante ou desproporcionado (alguém acreditou no milagre económico de Pires de Lima?).
Lição nº 4 – A penosidade de correções de défices públicos considerados incontroláveis ou não financiáveis pelo mercado pode e deve ser suavizada por política monetária mais acomodatícia. Eis uma boa lição para o BCE e para o próprio FED americano não interromper precocemente a sua política monetária compensadora da penosidade de défices públicos em consolidação abrupta.
A história interessa e sobretudo os macroeconomistas não podem construir as suas próprias ilusões. Atentem na experiência vivida por Christina Romer: “Relembro vivamente a experiência de um encontro com banqueiros centrais no Simpósio Jackson Hole em setembro de 2009. Toda a conversa andava em torno do seguinte: ‘Parámos a crise. Agora o que temos que fazer é regressar a uma política monetária e fiscal prudente e preocupar-nos com a inflação’. Mas o desemprego ainda estava a crescer tendo atingido 10,9% em outubro de 2009. Todas as partes do meu corpo queriam gritar com aqueles fazedores de política monetária presentes no simpósio: ‘Oh não, ainda não parámos a crise’. Infelizmente, tais agentes abrandaram em 2010 e 2011 a intervenção agressiva. E isso adiou com grande probabilidade o retorno da economia ao normal.”
Porque é que os economistas não se fizeram ouvir? Porque não gritaram, não foram convincentes ou prepararam eles próprios (a história do Pedrinho e do lobo) o não impacto das suas palavras, proclamando que os mercados são sempre eficientes e as crises estavam dominadas?
Ah! mas dir-me-ão que a economia americana não é tudo, que na Europa é diferente, blá – blá. Pura ilusão. Nos “basics” todo o ensinamento interessa. E será que a crise ficou confinada aos Estados Unidos da América?

SALVOS POR BLATTER?



Depois do fait-divers protagonizado pelo inconcebível presidente da FIFA, o Governo saiu à rua numa de “agarrem-me senão eu bato-lhe”, assim alardeando a sua coragem e patriotismo. Daí que não seja mal lembrada a ideia contida no cartune de “O Jogo” de hoje – para a respetiva concretização, talvez se o chefe irlandês da nossa Troika mandasse o indiano chamar pixote ao capitão da seleção nacional ou o careca alemão ameaçar que a senhora Merkel se opõe ao salário que o Real Madrid paga ao seu número 7...

“UM BANDO DE MENINOS”


Quem disse que não há coincidências? Ontem ao deitar, lia eu uma crónica do mais recente “Quinto Livro de Crónicas” de António Lobo Antunes, interrogava os meus botões sobre a grande contenção do autor – ao invés dos irmãos – em matérias especificamente político-governativas. Pois não é que ao abrir a “Visão” de hoje encontrei na sua crónica (“Um Dó Li Tá”) uma resposta dada pelo próprio!

Começa assim: “Perguntam-me muitas vezes por que motivo nunca falo do governo nestas crónicas e a pergunta surpreende-me sempre. Qual governo? É que não existe governo nenhum. Existe um bando de meninos, a quem os pais vestiram casaco como para um baptizado ou um casamento. Claro que as crianças lhes acrescentaram um pin na lapela (...)”. E, um pouco mais adiante, acrescenta: “Esta criançada é curiosa. Ensinaram-me que as pessoas não devem ser criticadas pelos nomes ou pelo aspecto físico mas os meninos exageram, e eu não sei se os nomes que usam são verdadeiros: existe um Aguiar Branco e um Poiares Maduro. Porque não juntar-lhes um Colares Tinto ou um Mateus Rosé? É que tenho a impressão de estar num jogo de índios e menos vinho não lhes fazia mal.

Convicto do vosso gosto pela qualidade linguística, sociológica e cívica, recomendo que leiam o resto na revista e que comprem o livro...

POR UM ESTADO PÓS-BUROCRÁTICO!


Estive a ler as 112 páginas de “Um Estado Melhor”, documento que Paulo Portas (PP) hoje longamente apresentou aos portugueses e de que tinha ouvido alguns excertos radiofónicos seguidos de um comentário vazio e laudatório de Daniel Proença de Carvalho e de uma crítica irritada e demolidora de António José Teixeira.

A maioria dos comentadores da noite pareceu convergir na ideia de que o dito guião corresponde a uma espécie de programa de Governo apresentado dois anos e meio depois de o mesmo estar em exercício de funções – desnecessário e redundante seria ele, portanto. Discordo em absoluto: o guião tem uma utilidade fundamental e essa é a de PP poder dizer que cumpriu, tarde e a más horas mas aviou o assunto e assim espera ter retirado da agenda pública uma matéria que diariamente lhe seringava as orelhas.

Mas aquilo de que mais me lembrei ao consultar o documento foi de uma velha canção cujo refrão rezava acima: “Paroles, paroles, paroles, paroles, paroles / Encore des paroles que tu sèmes au vent”. Porque a elasticidade de princípios em PP é pouco menos do que infinita! Além de uma espécie de campeão de ideias feitas e de mezinhas tão consensuais quanto inofensivas, de um despudorado vendedor de banha da cobra e de um ventríloquo repetidor de arrazoados de cara pouco condizente com a careta, PP pensa-se sobretudo impune – assim como que um genial “encantador de serpentes” (portuguesas, no caso) que a tudo se pode autorizar sem que daí lhe advenham quaisquer correspondentes consequências.

Não obstante, ficará como definitivamente positivo um incomensurável contributo para a teoria política, veiculado por PP e traduzido no novel conceito de “estado pós-burocrático” – assim definido: “Menos legiferante, menos regulamentador, menos intervencionista. Mais competitivo, mais orientado para resultados, mais descentralizado e, sobretudo, mais aberto, mais transparente e mais simples para os cidadãos e as empresas.” Por conhecer fica ainda o nome do brilhante assessor/consultor/professor que, ademais de inventar o dito conceito, lhe escreveu o guião e produziu aquele inolvidável capítulo sobre “um Estado moderno no século XXI” – um ideólogo dos sete costados!

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O EQUILIBRISMO DE PORTAS



Ainda não li integralmente o PDF de 112 páginas do pretenso guião para a reforma do Estado que solenemente Paulo Portas apresentou hoje ao princípio da noite. Mas entre algumas ideias dispersas que fui apanhando, entre as quais alguns minutos da apresentação do próprio Portas, tendo a construir a ideia de que, mais do que a apresentação de uma proposta para a reforma do Estado, o vice-primeiro Ministro tentou apresentar um documento que lhe permita passar a salvo por entre os pingos da chuva que ele próprio ajudou a formar. Nada se sabe sobre se o documento representa o Governo ou se é apenas um testemunho para a posteridade do próprio Portas sem traduzir qualquer compromisso no seio da própria maioria.
E o mais paradoxal é que, reconhecendo a relevância do tema e não estando preso a qualquer preceito ideológico para não o discutir, as condições em que ele é apresentado e sobretudo o que o precede em termos da mais completa ausência de rumo levam-me a pensar que a oportunidade está perdida.

UM, DOIS, TRÊS...





Os nossos três mais representativos artistas da atualidade, ontem, por ordem de entrada em cena. Um não quer eleições nem fiscalização preventiva, outro avisa o Tribunal Constitucional que quer estabilidade e juros mais baixos, o terceiro diz que acha possível o já esperado fim da recessão técnica e vem já aí (às 19,15h) com o seu fantástico guião da reforma do Estado...