(Martin Wolf)
Vários economistas têm
salientado que, apesar da magnitude e das consequências penosas que a crise
financeira de 2007-2008 provocou, o sistema financeiro pouco mudou. Talvez a
sofisticação da pouco transparente inovação financeira com produtos que o
vulgar dos mortais não compreende como funcionam (em sessão pública das
comemorações do centenário da República em que participei, Santos Silva afirmou
que uma das razões para o BPI ter abandonado a praça de Nova Iorque foi a incapacidade
de perceber a sofisticação financeira daquele mercado) tenha sido impedida de
ganhos de velocidade e de generalização, mas a verdade é que não desapareceu. Talvez
hoje seja mais fácil e menos conflitivo falar de limites à livre circulação de
capitais, mas a globalização financeira não desapareceu. Talvez hoje exista uma
maior predisposição para compreender a necessidade imperiosa de contrariar a
chamada banca-sombra, a tal que atua como se fosse banca privada normal mas não
tem regulação similar por parte dos bancos centrais, mas ela não foi suprimida.
Neste contexto, é compreensível o desânimo de alguns economistas com a ausência
de consequências da crise financeira, sobretudo de personalidades como Stiglitz
que sempre alertaram para a necessidade de estabelecer uma rigorosa diferença entre
os ganhos privados da sofisticação financeira e o retorno social dos mesmos,
sendo profundamente cético quanto à possibilidade deste último superar os
primeiros. Veja-se, por exemplo, a notável conferência proferida por Stiglitz este mês de abril (dia 15) na Conferência dos Mercados Financeiros do Federal Reserve Bank of Atlanta, designada de “Tapping the
Brakes: Are Less Active Markets Safer and Better for the Economy?”.
É verdade que o pânico foi sustido de forma eficaz. Mas os riscos de reincidência
não desapareceram.
Ora, nas duas últimas
semanas surgiram algumas posições de peso apontando para grossas revoluções na
organização do sistema financeiro. Tal não significa que essas propostas mais
ou menos revolucionárias façam rapidamente o seu caminho e gerem efetivas e
radicais mudanças no sistema financeiro.
Uma das matérias que está em
debate nos EUA, claro está, pois o conservadorismo europeu está instalado e as
mentes enferrujadas, é o da eventual decisão de negar à banca privada a
potencialidade de criar moeda mediante abertura de contas de depósito através da
concessão dos seus empréstimos, obrigando-a à realização de reservas a 100% dos
seus depósitos. A criação de moeda através das atividades de concessão de crédito
por parte dos bancos privados constitui dos mistérios menos compreendidos por
parte da opinião pública da economia monetária e tem dado origem a sucessivos
debates entre os economistas ao longo do tempo. É esse mesmo mistério que tem
estado na base do paradoxo vivido nas economias desenvolvidas que consiste no
facto do quantitative easing
beneficiar sobretudo o setor bancário e este não repercutir esses benefícios em
crédito à economia real, não criando por isso moeda utilizável pela economia
das empresas.
Creio que a primeira
proposta recente de separação entre a criação de moeda (que caberia à banca
central e pública) e o financiamento da economia (no qual a banca privada
atuaria apenas como entidade de intermediação financeira pelo qual receberia um
dado preço) foi apresentada pelo insuspeito (na perspetiva dos mercados) Martin Wolf do Financial Times. Com a imposição de 100% de reservas obrigatórias para
os depósitos, as duas funções desempenhadas pela banca privada de criação monetária
e de rede de pagamentos limitar-se-ia a esta última. A criação monetária
passaria a ser um monopólio público.
O que para mim foi uma
grande surpresa foi esta ideia de Wolf ter surgido também pela pena de um ainda
mais insuspeito economista para os mercados, John Cochrane (“Toward a run free financial system”). Mas
pelo artigo de Wolf e depois pelo incontornável House of Debt de Atif Mian (PrincetonUniversity) e Amir Sufi (Chicago University), compreendi que a ideia não é nova
e que foi proposta em 1939, imagine-se por um conjunto de economistas da Escola
de Chicago, onde pontuava o grande economista monetário de todos os tempos
Irving Fisher.
1939 não é um ano qualquer,
vivíamos então as sequelas da crise devastadora de 1930 também ela iniciada por
uma crise de pânico financeiro. Não será por acaso que em 2014 as ideias do
grupo pontuado por Irving Fisher são retomadas. Afinal, as ideias económicas não
são insensíveis aos grandes eventos da história, o que não significa que a
rotura vença sempre. A inércia do conservadorismo por vezes não arreda pé,
mesmo com custos de grande expressão. Este tema da transposição das ideias para
a decisão é de facto apaixonante.
Não deixam por isso de ser curiosas as reservas de Krugman a esta possibilidade, baseadas sobretudo na possibilidade
de tal medida empurrar a banca privada para o estatuto da chamada banca-sombra.
Sem comentários:
Enviar um comentário