domingo, 6 de abril de 2014

A DESIGUALDADE LATINO-AMERICANA



O CONVERSABLE ECONOMIST é bem a imagem do seu promotor, o economista Timothy Taylor, um blogue sereno, incisivo, despertando-nos permanentemente para evidências empíricas e resultados de investigação que nos ajudam a compreender melhor o que nos rodeia, economicamente falando. Tim Taylor já foi editor-chefe de uma revista de referência entre pares, o Journal of Economic Perspectives e isso basta em minha opinião para lhe dedicarmos atenção.
Em linha com o interesse que o tema da desigualdade tem assumido no debate económico atual, muito em função do forte impacto que a obra de um francês, pasme-se, Thomas Picketty, Le Capital au XXIe siècle, está a provocar nos Estados Unidos (e que estou presentemente a ler em francês as suas 969 páginas, em homenagem à lança nos EUA do autor), Tim Taylor traz para o centro do debate a desigualdade na América Latina.
O tema é relevante pois, quando no meu curso de Globalização e Desenvolvimento Económico na FEP, discutia a desigualdade no contexto dos avanços da globalização, a América Latina era regra geral apontada como o centro das evidências do crescimento económico pouco distributivo, ao qual só a Africa do Sul disputava os índices de maior desigualdade. Mas a chegada ao poder em alguns países como o Brasil de projetos políticos mais empenhados na redistribuição dos efeitos do crescimento económico emergente (a passagem de Lula da Silva pelo poder é incontornável neste aspeto). É por isso relevante avaliar que impactos reais tiveram esses projetos políticos de gestão dos efeitos do crescimento económico. Tim Taylor fá-lo trazendo para a discussão um estudo recente do Banco Mundial, Social Gains in the Balance – a Fiscal Policy Challenge for the Latin America & Caribbean, datado de fevereiro de 2014.
O gráfico que abre este post sugere que algo mudou no crescimento económico latino-americano. O gráfico utiliza um indicador muito simples, bastante do meu agrado, que compara as taxas de crescimento económico global dos países e do rendimento dos 40% mais pobres. Salvo raríssimas exceções, o rendimento dos 40% mais pobres cresceu no período em análise a uma taxa superior à que os países cresceram. Este resultado sugere que o crescimento económico tem conseguido efeitos distributivos, em meu entender sobretudo através da capacidade de criar emprego. Em coerência com esse resultado, a relação entre crescimento económico, redução da pobreza e melhoria das condições da classe média surge claramente evidenciada no estudo do Banco Mundial. Isto mostra a relevância do conteúdo do crescimento e contrasta bem com a situação infligida aos países da Europa do Sul (ver gráfico abaixo).

Mas o que é curioso e Tim Taylor acentua esse facto com mestria, é que quando comparamos a desigualdade antes e depois das políticas fiscais a América Latina é bem menos redistributiva do que o universo de países da OCDE. Quer isto significar que a política fiscal não consegue resultados apreciáveis em matéria de melhoria da desigualdade, o que não deixa de refletir as condições do exercício do poder nesses países. Estruturalmente, o Estado nunca conseguiu libertar-se de grupos de interesses que o modelo de desenvolvimento socioeconómico latino-americano gerou historicamente, sobretudo a partir da transição do seu modelo primário-exportador e dos longos períodos de protecionismo industrial em que laborou. Por isso, Tim Taylor conclui que as políticas públicas nesses países, sobretudo a política fiscal, fizeram bem pouco para conseguir níveis mais acentuados de redução da desigualdade. Não deixa de ser irónico concluir que é mais o conteúdo do crescimento económico e menos a política fiscal a conseguir alguns resultados de redistribuição dos efeitos do crescimento económico, apesar da passagem de Lula da Silva e outros pelo poder.


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