Com os agradecimentos ao José Carlos Albino
Nas Conferências de
Aljustrel em que tive o prazer de participar na sessão inaugural, respirava-se
muito das atmosferas do desenvolvimento local. Mas não é apenas como reflexo de
boas sensações que tive dessa participação que trago o tema ao post de hoje. Por razões profissionais,
tenho neste começo de ano contactado com este mundo fascinante do
desenvolvimento local, representado por um tecido institucional muito rico e
diversificado de associações de desenvolvimento local, assumam elas o estatuto
de Grupos de Ação Local no âmbito da tradição LEADER (desenvolvimento rural),
ou simplesmente o estatuto de associação para o desenvolvimento local sem esse
estatuto.
A institucionalização em GAL
LEADER ou simplesmente em associação para o desenvolvimento não é totalmente
indiferente, pois a continuidade das políticas de desenvolvimento rural na sequência
das sucessivas alterações da Política Agrícola Comum e crescente importância da
política de desenvolvimento rural tem proporcionado à primeira daquelas
modalidades condições de consolidação institucional e até de delegação de funções
do Ministério da Agricultura. Mas quer se trate deste tecido institucional ou
do universo mais amplo das associações para o desenvolvimento local (ADL),
estamos perante manifestações relevantes de organização das energias e dos
recursos locais, com funções hoje extremamente abrangentes de serviço às
populações locais e sem as quais a intervenção municipal não teria a mesma
expressão.
O universo das ADL é hoje um
campo sociológico bem sugestivo para compreendermos as transformações da
sociedade portuguesa ao nível dos territórios locais ao longo de 40 anos de
democracia. As ADL constituíram desde sempre um refúgio de uma capacidade
militante de base que encontrou nesta esfera de intervenção no desenvolvimento
uma compensação pelo ambiente de deceção (no sentido que Hirschman lhe atribui
como categoria de perceção e intervenção social) que a sucessiva institucionalização
da democracia provocou na militância interventiva do 25 de abril. O que é
sobretudo relevante destacar é que inúmeros territórios beneficiados com a
intervenção de ADL com essas características puderam tirar partido da energia e
das competências de organização, coordenação e liderança que essa militância de
base trouxe ao desenvolvimento local. Mas o que nos últimos tempos me tem fortemente
impressionado é, hoje, a convivência observada nessas organizações entre a
resistência militante (que ela própria se apetrechou tecnicamente e em termos
de conhecimento) e uma nova fornada de técnicos de desenvolvimento local, com
uma competência técnica a toda a prova, formação académica muito sólida e
sobretudo uma capacidade reflexiva a partir da própria prática que dotam as
sociedades locais de uma relevante capacidade de iniciativa.
Esta constatação traz-me uma
retribuição afetiva assinalável, pois despertei já há longos anos para esta
problemática do desenvolvimento local a partir da participação na conceção e
organização de um processo de formação de agentes de desenvolvimento que visava
então disseminar nos territórios mais carenciados de iniciativa agentes de ligação e nova capacidade de animação. Em companhia
de gente como Rui Azevedo, António Nóvoa, José Madureira Pinto, Alberto Melo (que
reencontrei em Aljustrel), Carlos Castro Almeida, Guy Le Boterf essa formação-ação,
de alternância sala-terreno da experimentação social, conseguiu formar alguns
profissionais, alguns dos quais ainda estão hoje no terreno. A diferença é que
então os instrumentos de política pública vocacionados para potenciar a ação
destes dinamizadores o desenvolvimento eram escassos, o que não acontece hoje,
mais por força dos instrumentos comunitários aplicados na nossa programação do
desenvolvimento do que propriamente pela apetência governativa.
O absurdo da questão é que a
profusão de instrumentos de política, muito segmentados e estratificados,
sobretudo pela incapacidade das máquinas do Instituto de Emprego e da Segurança
Social se articularem, corre hoje o risco de segmentar e estratificar a ação
das associações para o desenvolvimento local, impondo-lhes instrumentos que
contrariam a capacidade de integração que estas organizações aprenderam a
concretizar no terreno. Para além disso, a política pública que é possível antecipar
do Acordo de Parceria obrigará a que toda essa dinâmica local se tenha de
acantonar e articular com a ação das Comunidades Intermunicipais (CIM) de base
NUTS III, que despertam para a programação de fundos estruturais envolvendo o
FSE.
Antecipo que a maturidade e
sobretudo a consolidação de pensamento que é possível retirar das reuniões de
trabalho que tenho tido a oportunidade de realizar vão ser capazes de impor a sua
visão ascendente e capacidade de intervenção local à visão segmentada e
estratificada das políticas públicas que parecem redescobrir o território. A
aprendizagem organizacional percebe-se em cada intervenção. E disto também se
faz a resistência ao precipício para que nos querem conduzir.
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