sábado, 5 de abril de 2014

A ENERGIA DO DESENVOLVIMENTO LOCAL



Com os agradecimentos ao José Carlos Albino
Nas Conferências de Aljustrel em que tive o prazer de participar na sessão inaugural, respirava-se muito das atmosferas do desenvolvimento local. Mas não é apenas como reflexo de boas sensações que tive dessa participação que trago o tema ao post de hoje. Por razões profissionais, tenho neste começo de ano contactado com este mundo fascinante do desenvolvimento local, representado por um tecido institucional muito rico e diversificado de associações de desenvolvimento local, assumam elas o estatuto de Grupos de Ação Local no âmbito da tradição LEADER (desenvolvimento rural), ou simplesmente o estatuto de associação para o desenvolvimento local sem esse estatuto.
A institucionalização em GAL LEADER ou simplesmente em associação para o desenvolvimento não é totalmente indiferente, pois a continuidade das políticas de desenvolvimento rural na sequência das sucessivas alterações da Política Agrícola Comum e crescente importância da política de desenvolvimento rural tem proporcionado à primeira daquelas modalidades condições de consolidação institucional e até de delegação de funções do Ministério da Agricultura. Mas quer se trate deste tecido institucional ou do universo mais amplo das associações para o desenvolvimento local (ADL), estamos perante manifestações relevantes de organização das energias e dos recursos locais, com funções hoje extremamente abrangentes de serviço às populações locais e sem as quais a intervenção municipal não teria a mesma expressão.
O universo das ADL é hoje um campo sociológico bem sugestivo para compreendermos as transformações da sociedade portuguesa ao nível dos territórios locais ao longo de 40 anos de democracia. As ADL constituíram desde sempre um refúgio de uma capacidade militante de base que encontrou nesta esfera de intervenção no desenvolvimento uma compensação pelo ambiente de deceção (no sentido que Hirschman lhe atribui como categoria de perceção e intervenção social) que a sucessiva institucionalização da democracia provocou na militância interventiva do 25 de abril. O que é sobretudo relevante destacar é que inúmeros territórios beneficiados com a intervenção de ADL com essas características puderam tirar partido da energia e das competências de organização, coordenação e liderança que essa militância de base trouxe ao desenvolvimento local. Mas o que nos últimos tempos me tem fortemente impressionado é, hoje, a convivência observada nessas organizações entre a resistência militante (que ela própria se apetrechou tecnicamente e em termos de conhecimento) e uma nova fornada de técnicos de desenvolvimento local, com uma competência técnica a toda a prova, formação académica muito sólida e sobretudo uma capacidade reflexiva a partir da própria prática que dotam as sociedades locais de uma relevante capacidade de iniciativa.
Esta constatação traz-me uma retribuição afetiva assinalável, pois despertei já há longos anos para esta problemática do desenvolvimento local a partir da participação na conceção e organização de um processo de formação de agentes de desenvolvimento que visava então disseminar nos territórios mais carenciados de iniciativa agentes de ligação e nova capacidade de animação. Em companhia de gente como Rui Azevedo, António Nóvoa, José Madureira Pinto, Alberto Melo (que reencontrei em Aljustrel), Carlos Castro Almeida, Guy Le Boterf essa formação-ação, de alternância sala-terreno da experimentação social, conseguiu formar alguns profissionais, alguns dos quais ainda estão hoje no terreno. A diferença é que então os instrumentos de política pública vocacionados para potenciar a ação destes dinamizadores o desenvolvimento eram escassos, o que não acontece hoje, mais por força dos instrumentos comunitários aplicados na nossa programação do desenvolvimento do que propriamente pela apetência governativa.
O absurdo da questão é que a profusão de instrumentos de política, muito segmentados e estratificados, sobretudo pela incapacidade das máquinas do Instituto de Emprego e da Segurança Social se articularem, corre hoje o risco de segmentar e estratificar a ação das associações para o desenvolvimento local, impondo-lhes instrumentos que contrariam a capacidade de integração que estas organizações aprenderam a concretizar no terreno. Para além disso, a política pública que é possível antecipar do Acordo de Parceria obrigará a que toda essa dinâmica local se tenha de acantonar e articular com a ação das Comunidades Intermunicipais (CIM) de base NUTS III, que despertam para a programação de fundos estruturais envolvendo o FSE.
Antecipo que a maturidade e sobretudo a consolidação de pensamento que é possível retirar das reuniões de trabalho que tenho tido a oportunidade de realizar vão ser capazes de impor a sua visão ascendente e capacidade de intervenção local à visão segmentada e estratificada das políticas públicas que parecem redescobrir o território. A aprendizagem organizacional percebe-se em cada intervenção. E disto também se faz a resistência ao precipício para que nos querem conduzir.

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