segunda-feira, 21 de abril de 2014

EM ZUBROWKA, NO SÉCULO PASSADO



Por imperdoável causa própria, conheço mal a obra do texano Wes Anderson. Um realizador que, no entanto, já vai no seu oitavo filme. A leitura de uma entrevista sua à “Atual” a propósito do último que estreou e já está em exibição nas nossas salas de cinema, somada ao prémio do júri do Festival de Berlim (onde teve honras de estreia mundial em abertura) e ao entusiasmo de algumas críticas especializadas, levaram-me a ir vê-lo; e em muito boa hora, diga-se de passagem.

Dizia ele, que divide a sua vida entre Nova Iorque e Paris e a quem um crítico se refere como “o mais europeu e autoral dos modernos realizadores americanos”: “Sempre que faço um filme, muitas das coisas que fiz no filme anterior passam para o novo”; mas também que “faço sempre um esforço para fazer algo de completamente diferente do habitual...”. Pois, definitivamente, “Grand Budapest Hotel” e a história daquele concierge (Monsieur Gustave, magistralmente interpretado por Ralph Fiennes) e do seu protegido paquete (o adolescente e refugiado árabe Zero Mustafa) conseguem em pleno esse desiderato.

Diz quem sabe que Wes – cujo cinema tem, segundo Fiennes, “uma estrutura cómica muito específica, e ao mesmo tempo muito realista” ou, por outras palavras, “uma espécie de leveza de toque, que é depois moldada de forma muito forte pela precisão da montagem” – foi a extremos de meticulosidade para não descurar nenhum detalhe formal, do edifício do hotel (que criou como localizado na estância termal de Nebelsbad, nas montanhas alpinas da ficcional República de Zubrowka, num grande armazém abandonado da cidade alemã de Görlitz, na fronteira com a Polónia, após ter começado por procurar, sem sucesso, encontrar na realidade) à preparação dos atores para o tom necessário, assumidamente inspirado na obra literária de Stefan Zweig (o esplendor da Viena austro-húngara e o requinte Belle Époque de 1932) e em referências cinematográficas da Europa do entre-guerras (com Lubitsch à cabeça) que transitam pela ocupação nazi e culminam naquele hotel comunista de 1968. E, mesmo num quadro em que “não sabemos exatamente quando e onde estamos mas sentimos uma época”, Wes parece ter pretendido permitir, quase inconscientemente, que algo de real penetrasse no seu universo estanque e estilizado (vejam-se as referências do realizador aos flashbacks, à animação e à fotografia em stop motion, assim como aos efeitos visuais artesanais do filme, inteiramente feitos com miniaturas animadas fotograma a fotograma); mesmo que apenas para retratar uma correlação entre duas nostalgias que recusa como suas determinantes mas estão lá: a da infância perdida e a de um mundo que acabou.

Mas tende para infinito o estímulo deixado por Wes à imaginação e ao mistério. Só indo ver e sentir...

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