Nos meus últimos tempos de
docência com as questões da globalização e do desenvolvimento económico, dois
livros marcaram para sempre a minha atenção: The
Elusive Quest for Growth – Economist’s Adventures and Misadventures in the
Tropics (2002) e The White Man’s
Burden – why the West’s efforts to aid the rest have done so much ill and so
little good (2006), MIT Press e Oxford University Press,
respetivamente, ambos de autoria de William Easterly.
(William Easterly)
Easterly é um economista do
desenvolvimento, controverso, de grande inteligência, que não enjeita o
confronto e que tem uma notável capacidade reflexiva sobre a sua experiência de
terreno, servida por uma rigorosa formação teórica. A obra de 2006 atrás
referida constitui uma lúcida denúncia dos vícios da ajuda pública
internacional, sem que isso signifique a validação para uma não solidariedade
internacional. O “Fardo do Homem Branco” prenunciava uma trajetória de
pensamento sobre o desenvolvimento que necessitava de aprofundamento e de maior
explicitação. Ora essa explicitação surge agora com uma obra apaixonante,
recentemente distribuída pela nova-iorquina Basic Books : The
Tyranny of Experts – Economists, Dictators amd The Forgotten Rights of the Poor.
O livro lê-se de um fôlego,
embora não seja pequeno, pode constituir um murro violento no estômago de quem é
avesso ao debate e pensa em função de ideias feitas, mas um estímulo poderoso à
reflexão para mentes mais abertas, grupo ao qual faço os esforços para
pertencer.
A força do argumento de
Easterly destina-se ao que designa de comunidade do desenvolvimento, uma
comunidade de práticas que integra economistas com intervenção profissional no
desenvolvimento, organizações internacionais, políticos, funcionários de ONG e
outros, mas da qual retira a investigação científica propriamente dita não
diretamente ligada à intervenção política. O aspeto mais controverso prende-se
com a tentativa de repor no contexto histórico atual um debate que nunca chegou
a ser travado, imaginem o debate entre Hayek e Myrdal (ambos Nobel em dezembro de 1974), ou mais propriamente
entre o debate entre a liberdade do desenvolvimento (centrada no indivíduo e na
sua capacidade de resolução de problemas, na defesa dos direitos dos mais
desfavorecidos e minoritários, na aprendizagem a partir da história) e o
planeamento do desenvolvimento (com foco na nação e não no indivíduo e não
raras vezes conducente ao papel dos autocratas benevolentes e da tecnocracia).
O que é relevante assinalar é que este debate não pode ser redutoramente equiparado
ao debate mercado versus Estado, pois podemos
ter, por exemplo, autocratas benevolentes e tecnocratas a tentar impor a via do
mercado contra a vontade das populações.
(Hayek e Gunnar Myrdal)
Easterly talvez extreme a
dicotomia entre as posições de Hayek e de Myrdal, desvalorizando por exemplo
posições de economistas como Amartya Sen que incluem a liberdade como dimensão
intrínseca do desenvolvimento e que por isso podem favorecer situações de
planeamento sem que isso signifique necessariamente tirania dos especialistas e
porta aberta aos autocratas benevolentes. Myrdal é demasiado associado ao seu Asian Drama e talvez injustamente conotado
com a ideia da tábua rasa, sem apelo à aprendizagem com a história e a atenção
aos contextos das sociedades mais pobres. A ascendência de Hayek sobre o
pensamento de Easterly é clara, mas isso não é necessariamente uma
impossibilidade de debate. Essa ascendência explica, por exemplo, que tal como
Hayek, Easterly sobrevalorize a capacidade de resolução de problemas de populações
desfavorecidas.
Mas não posso ficar
indiferente à denúncia de Easterly dos autocratas benevolentes e da tirania dos
especialistas, o que nos transporta para a ética do planeamento e para a
necessidade imperiosa da liberdade como dimensão intrínseca dos processos de
desenvolvimento. Compreendo, que nas condições concretas em que a comunidade do
desenvolvimento opera numa esmagadora maioria dos recantos deste mundo, o
debate proposto por Easterly mexe com todos os princípios adquiridos. Mas mesmo
assim prefiro um profissional do desenvolvimento inquieto, com problemas de consciência
crítica para resolver a um quadro autómato e servidor acrítico de autocratas
benevolentes.
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