São sobretudo memórias e
sensações afetivas que me circulam pela cabeça nesta modorra de férias pascais,
memórias e sensações de confronto entre a Páscoa mais urbana e a páscoa de
Seixas, da qual estou já afastado há alguns anos. A logística da mobilidade das
famílias altera-se radicalmente com o ciclo etário, ainda que apenas com a distância
de uma hora de viagem. Mas à medida que a família se complexifica e aumenta, o envelhecimento
de uns combina-se com as indisponibilidades dos mais novos, pelo que a Páscoa
de Seixas começa a ser uma simples recordação. E a Páscoa ainda com reminiscências
de ruralidade tem um outro encanto, que vai desde a dimensão incomparavelmente
mais numerosa do compasso, sempre precedido de um lança foguetes que se cobra à
unidade, pelo que a receção ao compasso é também sinónimo de desigualdades,
ditada estranhamente pelo número de foguetes lançados em cada habitação
visitada. Com o decorrer dos tempos, a dimensão do compasso foi sendo reduzida,
até porque a igreja começou a perceber que grande parte do aparato de pessoas
ocultava umas saquinhas não propriamente de esmolas mas de lembranças monetárias
pascais em nome de uma série de organizações de nomes mais ou menos
desconhecidos. Nos últimos tempos, o senhor António, eletricista competente e
que nos resolve todos os contratempos de uma habitação de fim-de-semana e de férias,
assumia com garbo a visita pascal, substituindo-se a um padre que não chega
para as encomendas.
Mas as principais lembranças
vêm da forma principesca como os meus vizinhos de Viana do Castelo que
partilham o condomínio recebem o compasso e os restantes visitantes. Uma mesa
farta numa habitação em que os aromas do almoço de Páscoa em preparação se
combinam com pequenas preciosidades, coloridas, sugestivas, apelativas, das
quais recordo sobretudo as empadas de lampreia e a acidez do copo de verde
branco. Todos visitavam todos, com um compasso algo aturdido, pois tinha de
recusar tais iguarias se pretendesse chegar ao fim da viagem em condições de
sobriedade aceitáveis. Na nossa mesa, os bolinhos de Páscoa da Riviera, com o
amarelo a predominar, ajudavam a disfarçar a nossa incapacidade de produção caseira
de iguarias tão saborosas. E não raras vezes, tudo acabava em almoço conjunto.
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