domingo, 20 de abril de 2014

DOMINGO DE PÁSCOA



São sobretudo memórias e sensações afetivas que me circulam pela cabeça nesta modorra de férias pascais, memórias e sensações de confronto entre a Páscoa mais urbana e a páscoa de Seixas, da qual estou já afastado há alguns anos. A logística da mobilidade das famílias altera-se radicalmente com o ciclo etário, ainda que apenas com a distância de uma hora de viagem. Mas à medida que a família se complexifica e aumenta, o envelhecimento de uns combina-se com as indisponibilidades dos mais novos, pelo que a Páscoa de Seixas começa a ser uma simples recordação. E a Páscoa ainda com reminiscências de ruralidade tem um outro encanto, que vai desde a dimensão incomparavelmente mais numerosa do compasso, sempre precedido de um lança foguetes que se cobra à unidade, pelo que a receção ao compasso é também sinónimo de desigualdades, ditada estranhamente pelo número de foguetes lançados em cada habitação visitada. Com o decorrer dos tempos, a dimensão do compasso foi sendo reduzida, até porque a igreja começou a perceber que grande parte do aparato de pessoas ocultava umas saquinhas não propriamente de esmolas mas de lembranças monetárias pascais em nome de uma série de organizações de nomes mais ou menos desconhecidos. Nos últimos tempos, o senhor António, eletricista competente e que nos resolve todos os contratempos de uma habitação de fim-de-semana e de férias, assumia com garbo a visita pascal, substituindo-se a um padre que não chega para as encomendas.
Mas as principais lembranças vêm da forma principesca como os meus vizinhos de Viana do Castelo que partilham o condomínio recebem o compasso e os restantes visitantes. Uma mesa farta numa habitação em que os aromas do almoço de Páscoa em preparação se combinam com pequenas preciosidades, coloridas, sugestivas, apelativas, das quais recordo sobretudo as empadas de lampreia e a acidez do copo de verde branco. Todos visitavam todos, com um compasso algo aturdido, pois tinha de recusar tais iguarias se pretendesse chegar ao fim da viagem em condições de sobriedade aceitáveis. Na nossa mesa, os bolinhos de Páscoa da Riviera, com o amarelo a predominar, ajudavam a disfarçar a nossa incapacidade de produção caseira de iguarias tão saborosas. E não raras vezes, tudo acabava em almoço conjunto.

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