Tratava-se de matéria anunciada, que estava já
relativamente antecipada na proposta de Acordo de Parceria que o Governo
apresentou em Bruxelas como base de negociação do próximo período de programação
de Fundos Estruturais, mas confesso que cheguei a imaginar que pudesse ser notícia
de primeiro de abril. Mas vários órgãos de comunicação social (JN e Público, por exemplo) referem como
fonte uma reunião da porta-voz da política regional da União Europeia com
jornalistas portugueses, na qual Shirin Wheeler terá sido perentória quanto à
impossibilidade de financiamento por parte do FEDER da proposta apresentada pelo
Governo português de financiar as chamadas ligações de “last mile”, ou seja infraestruturas viárias de fecho de redes e
sobretudo de ligação a infraestruturas de transporte reconhecidas por Bruxelas
como infraestruturas para a competitividade.
A posição do Governo português no Acordo de
Parceria era já uma posição negocial de recurso, ao recorrer ao conceito de “last mile” para operar uma transição
mais suave entre o “regabofe” e o “fim do bolo”, escudando-se num conceito
amplo de fatores de competitividade para cofinanciar ainda algumas infraestruturas
viárias. Não é que este vosso amigo esteja em desacordo com a necessidade
imperiosa de reorientar os investimentos com cofinanciamento de Fundos Estruturais
para algo que sirva mais diretamente a mudança estrutural produtiva que devemos
fazer. Estou aliás perfeitamente de acordo com a posição da Comissão Europeia. Mas
o que estranho é o modo como uma porta-voz numa reunião com jornalistas
comunica algo que, ao que se sabia, estava ainda em negociação na sequência do Acordo
de Parceria entregue em 31 de janeiro em Bruxelas. Uma de duas: ou o Governo
foi previamente informado e anda a vender como matéria ainda potencialmente
negociável algo que não o era, ou a Comissão Europeia se antecipa
deselegantemente e corta pela raiz a tímida defesa feita pelo próprio Governo. Em
qualquer das duas hipóteses, Poiares Maduro anda a apanhar bonés como diria o
Professor Marcelo a uma embasbacada e retorneada Judite.
Quanto à essência do problema, a falta de senso
dos que se atafulharam em infraestruturas viárias como fonte de um milagre económico
e de atração de investimento que não veio determina agora que alguns territórios
ainda encravados permaneçam nessa situação provavelmente por décadas.
Quanto aos municípios, têm de arrepiar caminhar e
pensar em novos modelos de financiamento municipal para infraestruturar o seu
território. Podem fazê-lo desde que o financiem não com fundos estruturais. É
uma questão de novas escolhas públicas locais e para isso devem envolver com
clareza os seus eleitores locais com orçamentos claros e democraticamente
validados. O problema é que a saída destas infraestruturas dos Fundos
Estruturais com baixa taxa de comparticipação municipal significa aumento do
custo do investimento e o valor do investimento e do dinheiro passa para a
ordem do dia. Ótimo. As escolhas públicas fundamentadas são o mote da
democracia.
Quanto ao Estado, tem o mais rapidamente possível
pensar em orçamentação de longo prazo para atacar um problema que emergirá mais
tarde ou mais cedo, mais cedo do que tarde – a questão da conservação e
manutenção de infraestruturas. Pois. Não é só construir e abrir caminho aos
interesses da banca e da construção civil. É preciso conservar. E não há Fundos
Estruturais para isso. Escolhas públicas. Ainda e sempre.
Portugal, apesar de ser um país pobre com salários baixos e fracas condições de vida, tem 540 automóveis por mil habitantes, o terceiro número maior da Europa e dos maiores do mundo. Estima-se que o português comum precise de trabalhar seis meses por ano, para pagar as despesas totais do seu carro. Portugal não tem recursos petrolíferos nem tem indústria automóvel própria. Estima-se que a hegemonia do automóvel tenha um custo económico anual ao país de cerca de 10% do PIB. Todavia, Portugal está no top 5 dos países da UE com mais autoestradas, se consideramos número de habitantes, área e PIB. Numa autoestrada circulam veículos movidos a derivados do petróleo, e esses veículos e petróleo são na totalidade importados.
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